quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Darwin e a esquerda

Edward Wilson sobre o Marxismo: "Wonderful theory. Wrong species."


Tentando povoar esta página com algumas breves palavras, tentando não deixar transparecer este período de baixa produtividade de seus redatores, vou frisar, uma vez mais, a importância da "revolução Darwiniana" no pensamento contemporâneo.

Não estou sendo exagerado com isso. Com efeito, para os cientistas naturais em geral, a seleção natural já é considerada um fato, e não uma mera teoria (isso me lembra os neurocientistas, que têm como certa a origem cerebral de tudo o que denominamos "mente" há cinco décadas, no mínimo).

Deixando de lado os problemas epistemológicos dessa asserção, ressalto que aceitar a seleção natural e suas consequências não é algo tão trivial quanto parece à primeira vista. Implica também a) rejeitar qualquer forma de pensamento que coloque o homem no ápice da existência universal, b) aceitar que existe uma natureza humana de ordem filogenética, anterior às interações socioculturais que determinam seu comportamento, c) concordar que certas características que a filosofia moral tradicionalmente rotulou como "vícios" e "virtudes" são inerentes à condição humana, e, enfim, d) ver no estudo de outros animais sociais indícios importantes para explicar a conduta e o pensamento humano, dada a existência de um continuum evolutivo entre as espécies.

O impacto dessas idéias nas ciências humanas, na filosofia, na política e no debate contemporâneo em geral, se levadas a sério, é no mínimo o de um terremoto de grandes proporções. E tenho como demonstrada a teimosia das pessoas de aceitarem essa premissa pelos discursos que rotineiramente observo na mídia ou nas relações de convivência do meu cotidiano. No fundo, ainda é muito difícil para a maioria das pessoas aceitar que não passamos de um "macaco sem pêlos".

Não me alongarei mais nisso, pois é um tema recorrente em tudo o que escrevo. Porém, é chegada a hora de abordar outro problema, frequentemente levantado: a ciência darwinista não traria consigo, inevitavelmente, um viés "de direita"? Responderei a essa acusação com um feliz trecho do livro de Steven Pinker, "Tabula Rasa", a respeito do livro de Peter Singer, "A Darwinian Left":

Singer escreve: "É hora de a esquerda levar a sério o fato de que somos animais evoluídos e trazemos em nós o testemunho de nossa herança, não só em nossa anatomia e em nosso DNA, mas também no nosso comportamento". Para Singer, isso significa reconhecer os limites da natureza humana, o que faz da perfectibilidade da humanidade um objeto impossível. E significa reconhecer componentes específicos da natureza humana. Entre eles incluem-se o auto-interesse, que implica que sistemas econômicos competitivos funcionarão melhor do que monopólios do Estado, o impulso pela dominância, que torna governos poderosos vulneráveis a autocratas arrogantes, o etnocentrismo, que põe os movimentos nacionalistas em risco de cometer discriminação e genocídio, e as diferenças entre os sexos, que devem embasar medidas para uma rígida paridade entre os sexos em todas as posições sociais.

Mas então, poderia perguntar um observador, o que resta da esquerda? Singer responde: "Se dermos de ombros ante o inevitável sofrimento dos fracos e pobres, dos que estão sendo explorados e roubados ou que simplesmente não possuem o suficiente para sustentar a vida em um nível aceitável, não seremos de esquerda. Se dissermos que o mundo é assim mesmo e sempre será, e que nada podemos fazer a respeito, não seremos parte da esquerda. A esquerda quer fazer alguma coisa a respeito dessa situação".

Em suma: conhecendo melhor o homem, e, portanto, aceitando a sua característica de ser um animal social, com interesses e impulsos, seja para a violência e a dominação, seja para a cooperação e a reciprocidade. Com isso, estariam superadas de vez aquelas propostas de derrubar a "democracia burguesa" em prol de uma revolução que, magicamente, resolveria todos os problemas de opressão da humanidade. Mais do que isso: poderíamos pensar em formas mais eficazes de ação social e de organização governamental, com base no nosso conhecimento do homem. Desenvolverei isso melhor em textos posteriores.

Uma última palavra: infelizmente, a maior parte da esquerda hoje ainda se apóia fundamentalmente no pensamento marxista. Isso é uma pena. Embora Marx tenha sido um dos teóricos mais perspicazes e influentes da história da humanidade, e muitas de suas idéias continuem sendo assustadoramente atuais, boa parte do que ele escreveu é simplesmente datado. Ignorar isso e "requentar" uma certa leitura da bíblia marxista a cada nova geração de pensadores sociais não ajuda na consecução do que é, a meu ver, a meta essencial do pensamento de esquerda: a promoção da igualdade e da justiça social.

Já fomos carpideiras por tempo demais. Deixemos o defunto descansar e vamos superar essa viuvez. Talvez trocar um barbudo por outro seja a melhor resposta.