domingo, 2 de setembro de 2007

Origens do homem e diversidade

Um trabalho que merece atenção na atual discussão deste grupo de aventureiros, sobre a natureza e as origens do homem, é o do geneticista italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza, que em 1996, no livro Geni, Popoli e Lingue, demonstrou que não há qualquer fundamento para distinção do Homo sapiens em raças, assim demolindo um argumento de tão triste história.

Para o cientista, uma das mais proeminentes figuras do Projeto Genoma Humano, as variações genéticas encontradas entre as populações humanas são muito mais tênues do que aquelas que vemos entre raças de outros animais. Mas ele mesmo já pontua, com ironia, que Charles Darwin já sabia muito bem disso, 150 anos atrás. Assim caminha a humanidade.

Abaixo, para os curiosos, um esquema das populações feito com base no material genético que ele coletou ao redor do mundo e analisou.

Um dado interessantíssimo é que as conclusões do cientista batem com a dos linguistas que procuram estudar a origem comum das línguas. O ramo do indo-europeu, do qual fazem parte línguas tão diversas quanto as latinas, as celtas, as germânicas, o grego, o armênio, o extinto hitita e o sânscrito, faria parte de um grupo maior, o do nostrático. Quanto mais distantes umas das outras, maiores as diferenças sintáticas e na etimologia.

Porém, assim como as diferenças genéticas entre as populações não justificam a sua compartimentação em raças distintas, as diferenças entre as línguas ocultam estruturas subjacentes, comuns a todas elas. É essa a tese da gramática universal de Noam Chomsky.

Afinal, basco e chinês podem ser duas línguas muito difíceis, por serem não-indo-européias, mas qualquer falante normal do português pode aprendê-las.

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Post Scriptum:

1. Os esforços na recuperação de línguas remotas, como o hipotético proto-indo-europeu pelo geórgio Tamaz Gamkrelidze e pelo russo Vyacheslav Ivanov mereceriam um capítulo à parte. Porém, o autor aqui fez a irresponsável escolha de largar as Letras pela republiqueta de bananas e bacharéis... fica para outra encarnação.

2. Clique aqui para ler um ótimo texto de Hélio Schwartzman, da Folha, sobre a tese de Chomsky.

Entre palavras e coisas: por uma abordagem estruturalista da História do Direito


Falando em modinhas...Sobre a francesa. Este texto foi a breve comunicação que apresentei no I Congresso Mineiro de Filosofia do Direito. Nada pretensioso, não esperem uma profundidade filosófica acentuada, tampouco discussões contemporâneas sobre mente, bioética, microchip ou cibernética.

João Vitor Loureiro

A presente comunicação começa por uma citação que Michel Foucault (1926-1984) faz em sua obra As Palavras e as Coisas, datada de 1966. Definindo a história que perdurou durante o chamado período clássico, anterior à revolução racionalista, o filósofo francês toma o historiador da Grécia Antiga como exemplo: aquele que narra a partir de seu olhar.
E o que era narrar a partir de seu olhar? Era precisamente recolher o dado das coisas, filtrá-las pela perspectiva do narrador, a fim de se obter uma história que fosse "verdadeira". O compromisso de tal história não era com a precisão, com a verdade das coisas, mas com a verdade do intérprete - notem os leitores como tal construção da análise histórico-narrativa repousa com conveniência ao conceito kantiano de verdade construído posteriormente- a verdade enquanto adequação da coisa ao intelecto ou do intelecto à coisa.
Os exemplos dessa perspectiva são vários. Há, afinal, algo de muito mais místico, divinizado e epopéico no saque de Roma por Átila e os hunos do que histórico. O "flagelo de Deus" tomaria o Império derrotado e deporia o último rei, dando início a uma nova fase da História Ocidental. (ah, por favor, sem os visigodos, sem os vândalos, sem o resto, o saque dos hunos seria bem menos do que foi). Trata-se de um exagero histórico. Certamente o historiador que narra tal episódio parte como foco de sua experiência diante dos hunos que em relação aos demais povos bárbaros.

Pois bem. É esta a história que temos até o século XVII. E uma História do Direito anteriormente escrita assim também o era. Afinal, por que o fetichismo com o Oidente? Por que Direito Romano? As respostas a tais perguntas cartamente estão nessa espécie de narrativa compilatória e filtrada, empreendida pelos historiadores daquele tempo. A história dos vencedores. A história dos bons. Ou seria uma história omitida? Uma história mal-contada?

Porém, é a partir do século XVII que nasce a função representativa dos signos. Durante o período anterior, descrito acima, da história clássica, o signo era considerado pertencente à categoria de coisa. O inexplicável, o não-plausível, o injustificado poderia ser narrado, e imiscuía-se no diálogo histórico. Não importava que não fosse revestido de ordem lógica, de efeito significativo.

Mas o movimento racionalista passou a exigir que as palavras fossem dotadas de significado. E que representassem o que quizessem dizer. Tão importante para essa nova história escancarada pelos augúrios da Modernidade foi a a invenção da imprensa por Gutenberg no século anterior. A palavra torna-se funcional. E representa o universo do conhecido. O homem passa a ter poder sobre as coisas, em sua relação de conhecimento. É o verdadeiro momento de restituição da ordem lógica das coisas, da marca do mundo. E de restituição da linguagem a todas as plavras encobertas.

As coisas continuam a ser coisas. Só que passaram a ser representadas por palvras. Pensem que todas as coisas incluídas no antigo método clássico eram encaixadas ou encaixáveis numa narrativa histórica. Desde a fé do narrador, aos ratos que devorassem sua colheita, eram elementos para se descrever uma situação. Com a "revolução racionalista", só as coisas dotadas de significado histórico poderiam constituir uma narrativa histórica. Cria-se um filtro metodológico e um ambiente de discussão histórico, organizado em palavras, línguas, fontes e documentos.

Qual teria sido, então, a primeira história construída por tal método? Certamente, uma história natural, na qual a descrição poderia estar à frente da interpretação. E tal método prevaleceria mesmo para o Direito. Ousaria dizer que em tal período o Direito orgãnico metamorfoseia-se num Direito sistêmico.

Como assim? Máximo ou não, o direito encontra-se em toda cultura. Qualquer indivíduo guarda para si uma consciência jurídica anterior à própria experiência jurídica. Uma consciência jurídica ou uma consciência de justiça? Esta é uma farta discussão, não entrarei em maiores detalhes porque não é o objetivo desta comunicação. Admitindo se tratar de uma consciência jurídica, é ela quem criará os contornos à compreensão sistêmica de Direito. Em outras palavras: a instituição normativa nasce com a consciência jurídica, somada ao poder.

Afinal, a norma jurídica em sua concepção tradicional nada mais é que uma antecipação de contutas. Ela antevê, sancionando, ou prevê, declarando. Assim, meus caros, o método histórico racionalista casa-se com o método jurídico. A norma jurídica exerce a função de representar o que são os homens, o que fazem os homens, como agem os homens e do que precisam os homens. É esse direito fático, das circunstãncias, das relações dos homens entre si e com as coisas, esse direito cotidiano que se revela como um direito vivo, experimentável, orgânico. Um direito a ser descrito. Um Direito a ser declerado. Representando essa diversidade, a norma organiza e passa a representar a totalidade de circunstâncias, condutas e carências. Nasce a idéia de um ordenamento jurídico, e com ele a noção de um Direito organizado em sistema.

Adicione-se a consolidação da idéia de um tal Estado ocidental. O Direito sistêmico, perfeito, sem lacunas, assume seu curso fundamental. O Direito se funde com a idéia de estrutura. Precisamente, tal é o Direito repassado pelas gerações históricas, chegado até nossos dias. Suja compreensão é marcada, idealizada. A estrutura é o resultado pleno desse filtro metodológico, que imprime sobre as coisas uma linguagem de palavras. O estruturalismo organiza o conhecimento e investiga, partindo dessa análise, a gênese das Ciências Humanas.

Não obstante, o que fizeram os juristas com tal Direito sistêmico? Alguns, animados com a grande revolução da estrutura como método, acreditaram impossível pensar e falar sobre palavras sem retomer-se ao subjetivismo clássico. Fizeram então algo que propagaram como "revolução" do direito e que, na verdade, caracterizou-se por ser mero desdobramento histórico: secaram, desodorizaram, deacoloriram o Direito. O rico direito quotidiano, sensível, experimentado, foi completamente enxugado pela concepção posterior, nos séculos XIX e XX de Direito: nasce o normativismo kelseniano, o purismo metodológico. o positivismo normativista subsuncionista. Quase matemático. Esqueceram-se da função que o interpretar confere ao representado.

Foucault já afirmava que a representação dá lugar a várias proposições, pois os nomes que a preenchem a articulam segundo modos diferentes. Sem interpretar, as Ciências Humanas nada são e nem podem querer ser. Tampouco o Direito. A hermenêutica foi o desdobrar natural da linguagem representada, da linguagem estruturada e sem fronteiras. E é com ela, senhores, que lhes lembro da importãncia de sermos não apenas juristas, mas juristas e historiadores: criando a nosso tempo uma língua jurídica própria, organizada, sistemática, sem perder de vista o cotidiano de coisas que tal linguagem representa.