domingo, 2 de setembro de 2007

Entre palavras e coisas: por uma abordagem estruturalista da História do Direito


Falando em modinhas...Sobre a francesa. Este texto foi a breve comunicação que apresentei no I Congresso Mineiro de Filosofia do Direito. Nada pretensioso, não esperem uma profundidade filosófica acentuada, tampouco discussões contemporâneas sobre mente, bioética, microchip ou cibernética.

João Vitor Loureiro

A presente comunicação começa por uma citação que Michel Foucault (1926-1984) faz em sua obra As Palavras e as Coisas, datada de 1966. Definindo a história que perdurou durante o chamado período clássico, anterior à revolução racionalista, o filósofo francês toma o historiador da Grécia Antiga como exemplo: aquele que narra a partir de seu olhar.
E o que era narrar a partir de seu olhar? Era precisamente recolher o dado das coisas, filtrá-las pela perspectiva do narrador, a fim de se obter uma história que fosse "verdadeira". O compromisso de tal história não era com a precisão, com a verdade das coisas, mas com a verdade do intérprete - notem os leitores como tal construção da análise histórico-narrativa repousa com conveniência ao conceito kantiano de verdade construído posteriormente- a verdade enquanto adequação da coisa ao intelecto ou do intelecto à coisa.
Os exemplos dessa perspectiva são vários. Há, afinal, algo de muito mais místico, divinizado e epopéico no saque de Roma por Átila e os hunos do que histórico. O "flagelo de Deus" tomaria o Império derrotado e deporia o último rei, dando início a uma nova fase da História Ocidental. (ah, por favor, sem os visigodos, sem os vândalos, sem o resto, o saque dos hunos seria bem menos do que foi). Trata-se de um exagero histórico. Certamente o historiador que narra tal episódio parte como foco de sua experiência diante dos hunos que em relação aos demais povos bárbaros.

Pois bem. É esta a história que temos até o século XVII. E uma História do Direito anteriormente escrita assim também o era. Afinal, por que o fetichismo com o Oidente? Por que Direito Romano? As respostas a tais perguntas cartamente estão nessa espécie de narrativa compilatória e filtrada, empreendida pelos historiadores daquele tempo. A história dos vencedores. A história dos bons. Ou seria uma história omitida? Uma história mal-contada?

Porém, é a partir do século XVII que nasce a função representativa dos signos. Durante o período anterior, descrito acima, da história clássica, o signo era considerado pertencente à categoria de coisa. O inexplicável, o não-plausível, o injustificado poderia ser narrado, e imiscuía-se no diálogo histórico. Não importava que não fosse revestido de ordem lógica, de efeito significativo.

Mas o movimento racionalista passou a exigir que as palavras fossem dotadas de significado. E que representassem o que quizessem dizer. Tão importante para essa nova história escancarada pelos augúrios da Modernidade foi a a invenção da imprensa por Gutenberg no século anterior. A palavra torna-se funcional. E representa o universo do conhecido. O homem passa a ter poder sobre as coisas, em sua relação de conhecimento. É o verdadeiro momento de restituição da ordem lógica das coisas, da marca do mundo. E de restituição da linguagem a todas as plavras encobertas.

As coisas continuam a ser coisas. Só que passaram a ser representadas por palvras. Pensem que todas as coisas incluídas no antigo método clássico eram encaixadas ou encaixáveis numa narrativa histórica. Desde a fé do narrador, aos ratos que devorassem sua colheita, eram elementos para se descrever uma situação. Com a "revolução racionalista", só as coisas dotadas de significado histórico poderiam constituir uma narrativa histórica. Cria-se um filtro metodológico e um ambiente de discussão histórico, organizado em palavras, línguas, fontes e documentos.

Qual teria sido, então, a primeira história construída por tal método? Certamente, uma história natural, na qual a descrição poderia estar à frente da interpretação. E tal método prevaleceria mesmo para o Direito. Ousaria dizer que em tal período o Direito orgãnico metamorfoseia-se num Direito sistêmico.

Como assim? Máximo ou não, o direito encontra-se em toda cultura. Qualquer indivíduo guarda para si uma consciência jurídica anterior à própria experiência jurídica. Uma consciência jurídica ou uma consciência de justiça? Esta é uma farta discussão, não entrarei em maiores detalhes porque não é o objetivo desta comunicação. Admitindo se tratar de uma consciência jurídica, é ela quem criará os contornos à compreensão sistêmica de Direito. Em outras palavras: a instituição normativa nasce com a consciência jurídica, somada ao poder.

Afinal, a norma jurídica em sua concepção tradicional nada mais é que uma antecipação de contutas. Ela antevê, sancionando, ou prevê, declarando. Assim, meus caros, o método histórico racionalista casa-se com o método jurídico. A norma jurídica exerce a função de representar o que são os homens, o que fazem os homens, como agem os homens e do que precisam os homens. É esse direito fático, das circunstãncias, das relações dos homens entre si e com as coisas, esse direito cotidiano que se revela como um direito vivo, experimentável, orgânico. Um direito a ser descrito. Um Direito a ser declerado. Representando essa diversidade, a norma organiza e passa a representar a totalidade de circunstâncias, condutas e carências. Nasce a idéia de um ordenamento jurídico, e com ele a noção de um Direito organizado em sistema.

Adicione-se a consolidação da idéia de um tal Estado ocidental. O Direito sistêmico, perfeito, sem lacunas, assume seu curso fundamental. O Direito se funde com a idéia de estrutura. Precisamente, tal é o Direito repassado pelas gerações históricas, chegado até nossos dias. Suja compreensão é marcada, idealizada. A estrutura é o resultado pleno desse filtro metodológico, que imprime sobre as coisas uma linguagem de palavras. O estruturalismo organiza o conhecimento e investiga, partindo dessa análise, a gênese das Ciências Humanas.

Não obstante, o que fizeram os juristas com tal Direito sistêmico? Alguns, animados com a grande revolução da estrutura como método, acreditaram impossível pensar e falar sobre palavras sem retomer-se ao subjetivismo clássico. Fizeram então algo que propagaram como "revolução" do direito e que, na verdade, caracterizou-se por ser mero desdobramento histórico: secaram, desodorizaram, deacoloriram o Direito. O rico direito quotidiano, sensível, experimentado, foi completamente enxugado pela concepção posterior, nos séculos XIX e XX de Direito: nasce o normativismo kelseniano, o purismo metodológico. o positivismo normativista subsuncionista. Quase matemático. Esqueceram-se da função que o interpretar confere ao representado.

Foucault já afirmava que a representação dá lugar a várias proposições, pois os nomes que a preenchem a articulam segundo modos diferentes. Sem interpretar, as Ciências Humanas nada são e nem podem querer ser. Tampouco o Direito. A hermenêutica foi o desdobrar natural da linguagem representada, da linguagem estruturada e sem fronteiras. E é com ela, senhores, que lhes lembro da importãncia de sermos não apenas juristas, mas juristas e historiadores: criando a nosso tempo uma língua jurídica própria, organizada, sistemática, sem perder de vista o cotidiano de coisas que tal linguagem representa.

Um comentário:

Mateus disse...

aqui reformata o texto tirando as linhas triplas entre paragrafos...