sábado, 18 de agosto de 2007

Um olhar panorâmico sobre a Filosofia da Mente



Embora a reflexão acerca da mente remonte à discussão grega da natureza da psykhé, a Filosofia da Mente só se consolidou no século XX, com a aproximação entre a psicologia, a ciência da computação, a engenharia e a filosofia. A área experimentou um verdadeiro “boom” na década de 1970, com a descoberta de que máquinas podiam fazer coisas antes consideradas exclusivamente humanas, como jogar xadrez. Hoje, é um campo de trabalho extremamente promissor, transdisciplinar, mas ainda pouco conhecido no Brasil – provavelmente porque a “modinha” pós-moderna introduziu os franceses na nossa Academia de tal forma que a Filosofia em língua inglesa ainda sofre um considerável preconceito.

O primeiro mal-entendido que deve ser desfeito é o daqueles que acham que a Filosofia da Mente se ocupa de algo intangível, imaterial. Se é verdade que há uma corrente – o dualismo – que postula que os fenômenos psicológicos nunca poderão ser descritos numa linguagem materialista, hoje eles são a minoria. O mesmo ceticismo que levou Burrhus Skinner a negar a existência da mente, e Ludwig Wittgenstein a queixar-se que “na psicologia há métodos experimentais e confusão conceitual” é o que norteou muitos filósofos, que buscaram uma explicação materialista para fenômenos como a aprendizagem, a percepção, a memória e o processamento de informações.

A seguir, usando como base o esquema de João de Fernandes Teixeira em Mente, Cérebro e Cognição, vou sintetizar as linhas de investigação em Filosofia da Mente:








O dualismo de substâncias postula que os objetos materiais e os mentais são completamente distintos. Descartes, ao dividir entre res extensa (espacial, pública, extensa) e res cogitans (não-espacial, privada, sem extensão) tornou-se o filósofo mais destacado dessa posição. Aliás, a visão do senso comum, ou da maioria das religiões, é do dualismo de substâncias: temos corpo e alma, sendo esta última imaterial, eterna, intangível. O grande problema aqui é que não se pode explicar como uma substância imaterial pode causar alterações numa substância material. A única saída é abolir a explicação pela causalidade e abdicar à fundamentação da tese. Nenhum filósofo sério defende essa posição hoje, mormente depois de Gilbert Ryle ter cunhado o termo “ghost in the machine” para criticar a posição.

Existem filósofos gabaritados, como Thomas Nagel e David Chalmers (compilador da maior coletânea de artigos em filosofia da mente existente) que defendem um dualismo mitigado, de propriedades. Eles admitem alguma interação causal entre mente e matéria, mas duvidam, com argumentos, que exista uma interpretação física dos estados subjetivos e conscientes.

Outra posição é a de que a idéia de mente não passa de um mal-entendido, de uma explicação primitiva para algo que a ciência desvendará, à medida que se estude o cérebro. Assim, se até a explicação científica de doenças mentais se lançava mão da bruxaria enquanto explicação para certos comportamentos, nós nos referiríamos à “mente” apenas porque ainda não temos uma explicação materialista completa das faculdades do cérebro.

Gilbert Ryle defendeu, em The Concept of Mind (1949), que exorcizássemos o “ghost in the machine”, por meio da terapia lingüística. Para Wilfrid Sellars, em “Empiricism and the Philosophy of Mind” (1963), a mente não passaria de uma “ilusão cultural”, fruto de uma “expansão exagerada da linguagem”. Os pesquisadores que levam mais a sério esse programa de pesquisa são o casal Paul e Patrícia Churchland, que propõem um progressivo abandono da “folk phychology” (que descreve comportamentos em termos do vocabulário mentalista de desejos, crenças e intenções) em nome de explicações científicas, com base em estados neurais. Richard Rorty defendeu, por um tempo, essa linha, mas depois a abandonou.

O monismo materialista (não falaremos aqui do idealista, que é aquele que explica tudo em termos de fenômenos mentais – remetemos à filosofia do empirista George Bekeley) é a posição dominante em filosofia da mente. As suas variedades afirmam que, de um jeito ou de outro, aquilo que descrevemos como estados mentais são estados cerebrais (teorias da identidade), ou são redutíveis a estados cerebrais (reducionismo), ou ainda, emergem de uma certa combinação de estados cerebrais (teorias da supereveniência). A explicação materialista chegou ao pódio na década de 1970, com a reflexão acerca da Artificial Intelligence: se os estados mentais são fruto de um certo arranjo físico, cerebral, então é possível reproduzir em máquinas essas estruturas, fazendo com que existam máquinas inteligentes?


Foi aí que surgiu o funcionalismo. Em “Minds and Machines” (1975), Hilary Putnam descreveu mente e cérebro em termos de software e hardware. Jerry Fodor, filósofo analítico e da mente, distinguiu em “The Language of Thought” (1975) entre o hardware do cérebro e a “linguagem do pensamento”, o software que consistiria nos símbolos, enquanto representações mentais, manipulados pela mente.

O funcionalismo tinha insuficiências ao tentar descrever uma estrutura biológica como uma máquina. Os seres vivos simplesmente não funcionam apenas como circuitos. Além disso, encontrou um entrave sério no problema da consciência: as máquinas podem jogar xadrez; mas elas se reconheceriam no espelho? Elas seriam capazes de se perceber como seres pensantes, passíveis de erro, e de aprendizagem independente de programação prévia? Enfim, alguns filósofos da mente perceberam que, sem a noção de experiência consciente, as explicações da mente seriam estéreis. Eis o motivo pelo qual atualmente a Fil. da Mente é, principalmente, uma Filosofia da Consciência.

O funcionalismo também não foi capaz de levar em conta uma revolução que vem ocorrendo em vários campos da ciência, de forma vertiginosa, desde a década de 70: a redescoberta de Darwin. Hoje, em qualquer periódico de neurobiologia, antropologia física ou psicologia, as teses sustentadas pelos pesquisadores têm como pressuposto básico a seleção natural enquanto explicação para a origem das faculdades humanas. Dois pensadores importantes que trouxeram Darwin para o estudo da mente são o psicólogo de Harvard Steven Pinker e o filósofo da Univ. de Tufts, e discípulo de Ryle e Quine, Daniel Dennett.

Pinker sugere que as faculdades da mente humana podem ser explicadas usando-se a teoria computacional - mas ao contrário de Putnam, respeitando seu caráter biológico, pois alia aquela à teoria da evolução de Darwin. Assim, as faculdades computacionais da mente teriam sido projetadas pelo acaso da seleção natural, como resposta às demandas do ambiente em que o Homo sapiens se desenvolveu: a savana africana. Assim, a psicologia, que teria sido até a década de 1950 um “primor de insipidez”, teria encontrado uma forma de, com o rigor científico necessário, explicar as representações mentais.

Reproduzo a seguir um trecho do verbete que o Prof. Paulo Margutti preparou para a Wikipedia, disponível em pdf no seu site, e que resume a incursão de Dennett na Filosofia da Mente:

Ele pretende fornecer uma explicação do funcionamento da consciência, harmonizando idéias de Wittgenstein, Ryle, Quine e resultados atuais da psicologia experimental. Por este motivo, ele pode ser descrito como um pensador que defende um certo tipo de behaviorismo através de: a) uma atitude cética com respeito ao discurso filosófico tradicional; b) um nominalismo meticuloso, que rejeita essências e verdades definitivas; c) um cientificismo otimista, que inclui a crença de que a melhor explicação do funcionamento da consciência será fornecido por uma abordagem dos seres humanos enquanto organismos biológicos sob pressões evolutivas. A abordagem de Dennett é não apenas naturalista, mas também funcionalista, no sentido de que os organismos humanos são máquinas biológicas cujo comportamento é controlado por seus cérebros. Tal funcionalismo está ligado a um interesse predominante nas relações e não nas propriedades. Isto quer dizer que as “propriedades” dos objetos tendem a ser tratadas como relações e que os objetos não são considerados em si mesmos, mas holisticamente, ou seja, em suas conexões com outros objetos. Em muitos aspectos, o pensamento de Dennett está próximo do de Rorty, do de Nietzsche e do de Derrida.

Dennett é um dos reabilitadores da “folk psychology”. Para ele, não se trata de uma teoria superada, como a do flogisto ou a da possessão demoníaca. Pelo contrário, junto com Pinker, ele vê a “folk psychology” como uma explicação para o comportamento humano que teria sido desenvolvida por nossos ancestrais num longo processo, e que seria indispensável à nossa sobrevivência em grupos de complexa interação social. E por mais que a ciência avance, ao explicar estados neuronais, talvez seja mais prático e útil continuar lançando mão, no cotidiano, do nosso vocabulário mentalista. Afinal, como conclui João Teixeira, “substituir a ‘folk psychology’ pelo ‘neurologuês’ equivaleria a usar mecânica quântica para projetar pontes e casas”.

4 comentários:

Mateus disse...

Ricardo,

como você faz para colocar tantas fotos espalhadas pelo texto?

Depois comento o conteudo

Ricardo Horta disse...

Você tem que inseri-las e depois movê-las com o mouse para onde você quer posicioná-las. Mas tem limite de espaço, pelo visto. Ficaram duas que eu queria colocar de fora.

Abraços,

Anônimo disse...

Wow.

Excelente texto, comrades.

Anônimo disse...

Não quero me estender, mas acho que você deveria rever sua afirmativa sobre a negação, por parte de Skinner, da existência da mente. Ela está equivocada.

Um abraço.