Qualquer pessoa que se pretenda fazer respeitar na filosofia contemporânea terá de estar de acordo com a seguinte negação: A verdade não é a correspondência de uma proposição com a realidade.
Da própria concepção atual de verdade, como acordo entre sujeitos, temos a necessidade de estabelecer esse acordo prévio, em relação aos pressupostos assumidos por todos os debatedores. Nesse momento surge o recente debate entre Rorty e Habermas. Esse acredita que todos estão, de alguma forma, obrigados a aceitar os pressupostos do debate. Aquele acreditava que aqueles que não assumissem o pressuposto do debate deveriam ser solenemente ignorados [1].
Como se pode perceber, o argumento de Rorty tem a vantagem de não travar o debate em uma discussão preliminar, acerca da eticidade do discurso. Como nossa pretensão não é discutir o discurso, nem pode a humanidade parar durante alguns séculos para se resolver essa questão, vamos ficar com Rorty e ignorar solenemente os argumentos que se baseiem na negação, ou na tangenciação dos pressupostos assumidos no debate.
O termo útil, na expressão: “a ciência deve ser útil” pode ser entendido de duas formas, cuja diferença tem sido sutilmente ignorada pela maioria das pessoas e grupos sociais, podemos ler a expressão supra como “a ciência deve provocar aumento na qualidade de vida [2]” E também como “a ciência deve explicar da melhor forma possível [3]”.
Essa distinção se torna importante quando abandonamos a noção de verdade como correspondência com a realidade. E nossa ciência [4] passa a buscar a utilidade e não mais a verdade. Isso porque o que busca uma ciência especulativa, e, portanto, nosso raciocínio não vale para as engenharias, aí incluídas a jurídica e a de políticas públicas.
Quando fazemos nossa investigação não em busca da melhor representação da realidade, nem muito menos a realidade, ela mesma. Tampouco buscamos a melhoria da qualidade de vida, buscamos apenas nos tornarmos capazes de responder a um maior número de questões, reais ou hipotéticas, sobre o tema escolhido.
Por fim, gostaria de ressaltar o absurdo de pensar que a utilidade como qualidade de vida, em relação à investigação científica especulativa. Pois, dizer que buscamos a qualidade de vida, como sinônimo de felicidade, ao fazer nossa investigação pressupõe que tenhamos como certo a existência de uma felicidade real que deve ser descoberta pelo homem, e ainda mais, que essa felicidade real já foi encontrada no conceito liberal, ou da ONU, de qualidade de vida.
NOTAS:
[2] Qualidade de vida é um pressuposto assumido por este debate. E vamos entendê-lo em relação ao sistema de IDH utilizado pela ONU: Expectativa de vida + Renda per capitã + Educação.
[3] Se alguém quiser uma explicação melhor disso aqui, pode entender como explicação não circular, ou se remeter à máxima de William James segundo a qual “qualquer diferença deve fazer diferença”.
[4] Não vejo nenhum motivo que possa levar a sério para afirmar que existe alguma diferença entre ciência e filosofia. Tanto no sentido da filosofia se tornar ciência, uma vez que perde seu posto de tribunal do cientifico, ou em outras palavras, com a derrocada da epistemologia, quanto no sentido da ciência se tornar filosofia, pois, quando o método cientifico é questionado, e a própria idéia de representação da realidade com ele, não há nenhum valor que faça com que a ciência seja diferente da filosofia. Nosso compromisso não é com a realidade, mas com a justificabilidade e a utilidade de nossas proposições.