domingo, 10 de junho de 2007

Mente, cérebro e "folk psychology"


O cérebro. Eis um mistério que a ciência ainda está longe de desvendar. Será que tudo o que somos se resume a bilhões e bilhões de neurônios, sinapses e neurotransmissores? É o nosso cérebro a sede da nossa mente? Será possível para o homem projetar mentes artificiais, em robôs, computadores, etc? Os animais têm mentes?

Essas e outras questões, relativamente muito recentes, deram origem, na década de 1950, à Filosofia da Mente. Alguns clássicos da área são The Concept of Mind, de Gilbert Ryle (1949), Empiricism and the philosophy of mind, de Wilfrid Sellars (1963), Mind, Language and Reality, de Hilary Putnam (1975), The Language of Thought, de Jerry Fodor (1975), Matter and consciousness, de Paul Churchland (1984) e Consciuosness Explained, de Daniel Dennett (1991), entre outros. É desse assunto que irei tratar nos próximos tópicos.

Não há uma resposta unívoca para o problema mente-cérebro. Se são duas entidades separadas e distintas, ou se o cérebro origina a mente por superveniência, ou se a esta é redutível àquele, são questões em aberto e para as quais inúmeros argumentos foram formulados.

Antes que eu inicie a série acerca desse problema, vamos antes abordar aqui uma questão preliminar: faz sentido postular a existência de uma mente?

Afinal, é possível ver um cérebro, mas ninguém nunca viu um pensamento, um argumento ou uma emoção.

A afirmativa acima tem um pouco de razão, mas também algo de ingênua. Existem formas altamente sofisticadas de visualizar a atividade cerebral e compará-la com aquilo que o sujeito pesquisado manifesta estar pensando ou sentindo. É o caso do PET (Positron Emission Tomography) e do MRI (Magnetic Resonance Imaging), além do nosso velho conhecido eletroencefalograma. Evidentemente, isso não mata a charada - posso saber que determinadas áreas do cérebro estão ativas quando minha cobaia está lendo, ou ouvindo uma música, ou sentindo ciúmes. Mas isso não me dá idéia de quais são suas representações mentais, de seu conteúdo, e tampouco permite analisar pomernorizadamente tudo o que se passa no cérebro. Portanto, não se sabe exatamente o que dá origem, em termos neuronais, a um pensamento, nem tampouco o seu conteúdo, mas podemos saber quando um cérebro está pensando.

Em segundo lugar, e pragmaticamente falando, é útil postular uma mente. Ainda que no futuro descubramos que ela não passa de atividade cerebral, a explicação científica completa para o nosso comportamento seria tão complexa que deixaria de ser útil.

Em outras palavras: todos sabem que a física quântica atual explica buracos negros, o big bang, as dez dimensões do Universo, etc. Mas as explicações são tão complexas (e muitos físicos admitem: tão incompreensíveis), que nós, pobres mortais, ficamos presos à física clássica, que é próxima ao senso comum. E aceitamos sem titubear conceitos como inércia, átomo, força, etc, que não têm uma existência material e facilmente verificável, mas que são úteis porque funcionam. Ora, se a tese do flogisto desse conta da ferrugem tão bem quanto a da oxidação, e fosse uma forma mais simples de colocar as coisas, ainda hoje o empregaríamos no cotidiano.

Com a mente ocorreria o mesmo, segundo o filósofo Daniel Dennett. O cérebro é sumamente complexo, mas nem por isso deixamos de correlacionar comportamentos a estados mentais. Falamos, no dia-a-dia, em crenças, desejos, intenções - em mente. E isso nos ajuda a explicar sistemas tão complexos quanto os humanos que nos circundam. Afinal, devido ao comportamento extremamente irregular que nós manifestamos - amor, ódio, esperança, perseverança, mesquinhez, inveja, etc - era preciso mesmo alguma conquista evolutiva para possibilitar a vida em sociedade, tornando previsíveis as ações uns dos outros. Foi, então, essa explicação satisfatória do nosso caráter humano, demasiado humano, que deu origem à folk phychology.

3 comentários:

Mateus disse...

Perguntas:
Existe algum interesse em pesquisar relações de contigüidade?

Como um conceito de mente reduzido ao de cérebro pode responder às sensações provocadas por nervos não localizados no cérebro?

Ricardo Horta disse...

Respostas (parciais e incompletas, pois a discussão está no princípio):

1. Não se pode redzir tudo simplesmente à contiguidade. É uma questão em aberto se um estado de coisas no arranjo cerebral causa uma representação mental ou se é meramente contiguidade. Essa crítica do Skinner, Mateus, com todo respeito, é datada. É da época em que não existia a ressonância magnética.

2. É exatamente por isso que, como escreverei nos próximos tópicos, o problema mente-cérebro, a partir da década de 1990, passou a ser debatido à luz da noção de consciência. Com isso, mente e consciência se tornaram quase sinônimos e o foco de discussão passou a ser este.
Logo, um arco reflexo não seria uma experiência consciente, e ponto final.

Mateus disse...

e o inconsciente?