quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Darwin e a esquerda

Edward Wilson sobre o Marxismo: "Wonderful theory. Wrong species."


Tentando povoar esta página com algumas breves palavras, tentando não deixar transparecer este período de baixa produtividade de seus redatores, vou frisar, uma vez mais, a importância da "revolução Darwiniana" no pensamento contemporâneo.

Não estou sendo exagerado com isso. Com efeito, para os cientistas naturais em geral, a seleção natural já é considerada um fato, e não uma mera teoria (isso me lembra os neurocientistas, que têm como certa a origem cerebral de tudo o que denominamos "mente" há cinco décadas, no mínimo).

Deixando de lado os problemas epistemológicos dessa asserção, ressalto que aceitar a seleção natural e suas consequências não é algo tão trivial quanto parece à primeira vista. Implica também a) rejeitar qualquer forma de pensamento que coloque o homem no ápice da existência universal, b) aceitar que existe uma natureza humana de ordem filogenética, anterior às interações socioculturais que determinam seu comportamento, c) concordar que certas características que a filosofia moral tradicionalmente rotulou como "vícios" e "virtudes" são inerentes à condição humana, e, enfim, d) ver no estudo de outros animais sociais indícios importantes para explicar a conduta e o pensamento humano, dada a existência de um continuum evolutivo entre as espécies.

O impacto dessas idéias nas ciências humanas, na filosofia, na política e no debate contemporâneo em geral, se levadas a sério, é no mínimo o de um terremoto de grandes proporções. E tenho como demonstrada a teimosia das pessoas de aceitarem essa premissa pelos discursos que rotineiramente observo na mídia ou nas relações de convivência do meu cotidiano. No fundo, ainda é muito difícil para a maioria das pessoas aceitar que não passamos de um "macaco sem pêlos".

Não me alongarei mais nisso, pois é um tema recorrente em tudo o que escrevo. Porém, é chegada a hora de abordar outro problema, frequentemente levantado: a ciência darwinista não traria consigo, inevitavelmente, um viés "de direita"? Responderei a essa acusação com um feliz trecho do livro de Steven Pinker, "Tabula Rasa", a respeito do livro de Peter Singer, "A Darwinian Left":

Singer escreve: "É hora de a esquerda levar a sério o fato de que somos animais evoluídos e trazemos em nós o testemunho de nossa herança, não só em nossa anatomia e em nosso DNA, mas também no nosso comportamento". Para Singer, isso significa reconhecer os limites da natureza humana, o que faz da perfectibilidade da humanidade um objeto impossível. E significa reconhecer componentes específicos da natureza humana. Entre eles incluem-se o auto-interesse, que implica que sistemas econômicos competitivos funcionarão melhor do que monopólios do Estado, o impulso pela dominância, que torna governos poderosos vulneráveis a autocratas arrogantes, o etnocentrismo, que põe os movimentos nacionalistas em risco de cometer discriminação e genocídio, e as diferenças entre os sexos, que devem embasar medidas para uma rígida paridade entre os sexos em todas as posições sociais.

Mas então, poderia perguntar um observador, o que resta da esquerda? Singer responde: "Se dermos de ombros ante o inevitável sofrimento dos fracos e pobres, dos que estão sendo explorados e roubados ou que simplesmente não possuem o suficiente para sustentar a vida em um nível aceitável, não seremos de esquerda. Se dissermos que o mundo é assim mesmo e sempre será, e que nada podemos fazer a respeito, não seremos parte da esquerda. A esquerda quer fazer alguma coisa a respeito dessa situação".

Em suma: conhecendo melhor o homem, e, portanto, aceitando a sua característica de ser um animal social, com interesses e impulsos, seja para a violência e a dominação, seja para a cooperação e a reciprocidade. Com isso, estariam superadas de vez aquelas propostas de derrubar a "democracia burguesa" em prol de uma revolução que, magicamente, resolveria todos os problemas de opressão da humanidade. Mais do que isso: poderíamos pensar em formas mais eficazes de ação social e de organização governamental, com base no nosso conhecimento do homem. Desenvolverei isso melhor em textos posteriores.

Uma última palavra: infelizmente, a maior parte da esquerda hoje ainda se apóia fundamentalmente no pensamento marxista. Isso é uma pena. Embora Marx tenha sido um dos teóricos mais perspicazes e influentes da história da humanidade, e muitas de suas idéias continuem sendo assustadoramente atuais, boa parte do que ele escreveu é simplesmente datado. Ignorar isso e "requentar" uma certa leitura da bíblia marxista a cada nova geração de pensadores sociais não ajuda na consecução do que é, a meu ver, a meta essencial do pensamento de esquerda: a promoção da igualdade e da justiça social.

Já fomos carpideiras por tempo demais. Deixemos o defunto descansar e vamos superar essa viuvez. Talvez trocar um barbudo por outro seja a melhor resposta.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Dennett e a Consciência


O filósofo norte-americano Daniel Dennett salienta que a divisão entre filosofia e ciência é recente, e que, felizmente, nos últimos anos ela vem se desvanecendo. Um dos propagadores mais entusiastas do que se chama “terceira cultura”, Dennett acredita que é chegada a hora de difundir a visão de mundo “bright” (“iluminada”, numa remissão à herança crítica dos pensadores do século XVIII), na qual explicações sobrenaturais para os fenômenos são abandonadas em nome de uma perspectiva naturalista.

No ambiente hostil dos EUA da Era Bush, não é de espantar que os ateus, cientistas, filósofos monistas e cidadãos não-religiosos em geral se unam contra a investida da direita cristã fundamentalista, que tenta banir Darwin dos currículos escolares.

Em um livro de 1995, chamado “A perigosa idéia de Darwin”, Dennett afirma que o perigo da teoria da seleção natural é que, ao aceitarmos seus pressupostos, temos que concordar que tudo aquilo que resulta da evolução é, de fato, um efeito colateral de um processo algorítmico. Com efeito, o nosso senso comum rejeita o acaso e prefere a teleologia (“uma intenção por trás da realidade”) como sustentáculo de todas as formas de vida.

Dennett, então, tenta encontrar uma explicação para um problema tão complexo quanto o da consciência sem incorrer em erros antigos da epistemologia e da filosofia da mente. Suas linhas principais estão no livro “Consciouness Explained”, ainda inédito no Brasil.

Nas palavras do prof. Paulo Margutti, Dennett acredita que a “melhor explicação do funcionamento da consciência será fornecido por uma abordagem dos seres humanos enquanto organismos biológicos sob pressões evolutivas. (...) A abordagem de Dennett é não apenas naturalista, mas também funcionalista, no sentido de que os organismos humanos são máquinas biológicas cujo comportamento é controlado por seus cérebros”.

Dennett é cético quanto à noção, muito difundida na tradição filosófica ocidental, de que temos um acesso privilegiado à nossa experiência individual. A perspectiva de primeira pessoa, em que o indivíduo relata o que se passa em sua consciência para que os outros escutem – tal como fez Descartes – pode simplesmente estar equivocada. Assim, embora os eventos mentais que experimentamos pareçam-nos próximos e límpidos, e a leitura que fazemos deles, imune ao erro, a única forma verdadeiramente cientifica de explicar a consciência passa por uma perspectiva de terceira pessoa, do tipo behaviorista: só são dados os fatos recolhidos “de fora”. Esse método se chama heterofenomenologia.

Outra crítica que Dennett faz a um erro comum da tradição é o “modelo do teatro cartesiano”, um pano de fundo sobre o qual se inscreveriam as experiências conscientes (conteúdos mentais). O filósofo sustenta que, ao se rejeitar a “res cogitans” cartesiana, os materialistas frequentemente esquecem que a decorrência disso é repelir também a idéia de que existe um “centro funcional” para o cérebro, onde todas as sensações e impressões são reunidas e a corrente de consciência ocorre. Eis o local onde habitaria o homúnculo, o fantasma da máquina, a assistir uma sucessão de eventos no palco do teatro (os dados fornecidos pelos estímulos corporais, pelos cinco sentidos, etc.), selecionando-os conforme sua “vontade”.

Muitos neurocientistas têm investido pesadamente em pesquisas para localizar, na estrutura cerebral, algum lócus responsável pela consciência. Para Dennett, esse esforço é inócuo, pois insiste no erro de Descartes.

No lugar do “teatro cartesiano”, Dennett propõe o “modelo dos rascunhos múltiplos”. Conforme essa teoria, fisicalista, inspirada pelo cognitivismo, a consciência tem a ver com a forma como processamos informações. O cérebro funciona através de processos paralelos, de múltiplos caminhos de interpretação e elaboração dos dados sensoriais. Constantemente, os dados que são captados pelo corpo – seja pelos sentidos como visão e audição, seja uma dor de barriga, o suor diante do calor – são selecionados e organizados, mas sem a necessidade de intervenção de um homúnculo “chefe”.

Nesse processo simultâneo de “edição”, que ocorre em diferentes porções do cérebro, surge algo como uma corrente narrativa. Diz Dennett que “em qualquer ponto no tempo há múltiplos ‘rascunhos’ de fragmentos de narrativa, em vários estágios de edição, em vários lugares no cérebro“. Assim, esses rascunhos nunca chegam a uma “narrativa final”, antes competem entre si, alguns deles dando grandes contribuições, outros sendo abandonados, outros ainda influenciando o nosso comportamento verbal. A esse caráter fragmentário da experiência consciente, Dennett deu o nome de “máquina joyceana”, evocando as digressões que encontramos nas páginas do irlandês James Joyce.

Assim, para que um conteúdo mental se torne consciente, ele tem que ser selecionado entre diversos conteúdos mentais. É como se houvesse um “pandemônio” em nossas cabeças, e os estímulos geram diversas versões que se rivalizam, ora predominando umas, ora outras. Portanto, não há um fluxo de consciência unívoco, não há narrativa central privilegiada.

De onde viria então a nossa impressão de haver um “ego”? Bem, na medida em que essas narrativas aparecem para nós como se viessem todas de uma mesma fonte, temos a impressão de que existe um agente unificado, um “centro de gravidade narrativa”, que tece essas histórias – sendo que, na verdade, são elas que, em sua sucessão, tecem a nós mesmos.

Postular esse centro de gravidade seria apenas uma forma útil de explicar a consciência – tanto quanto as noções da física, como o átomo, ajudam a explicar certos fenômenos. Vamos lembrar que Dennett é um reabilitador da “folk psychology”, na medida em que ela tem um forte potencial explicativo.

Na nossa vida cotidiana, o modelo dos rascunhos múltiplos pode não fazer muita diferença – sentimos que existe um “eu”, sentimos que somos livres, embora a ciência nos mostre que a cognição seja muito mais complexa que isso.

E, se até aqui essa teoria soou muito estranha, até desconfortável, lembremo-nos de como tantas vezes o senso comum nos tranqüiliza (“a Terra não é plana?”), mas acaba escamoteando o funcionamento das coisas. Abandonar o fantasma da máquina e aceitar nossas mentes como o resultado de processos físicos significa, inclusive, que aquilo que chamamos de espírito é diretamente influenciado por fatores neurológicos. E aceitar que o “eu” não é uma alma incorpórea significa que ele é constituído de faculdades cerebrais que podem ser lesionadas (e portanto, afetadas, quando não definitivamente destruídas), que mudam com a idade, e que podem lentamente desaparecer à medida que a velhice do corpo se aproxima.

Diante disso, eu diria que um mundo sem Deus pode ser muito mais “iluminado”, mas definitivamente é muito mais incômodo.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Liberdade e causalidade

Seguindo a iniciativa do Ricardo, a minha peque na contribuição, ou o oposto disso, para o debate acerca da liberdade humana:


Causalidade, cérebro e controle do comportamento:

O modo pelo qual as forças interagem no espaço-tempo se da entre corpos, e não dentro de um corpo. Em outras palavras, isso significa dizer que um corpo não pode se mover a não ser que alguma energia seja fornecida a ele por outro corpo. Exemplificando, uma pedra não pode se mover. Apenas ser movida, seja por outra pedra atirada nela, pelo vento, ou pela força da corrente de água de um rio, etc.

Essa regra aparentemente não é respeitada pelos organismos. Mas essa confusão ocorre apenas por que temos o hábito de chamar o conjunto de corpos que compõe um organismo de corpo, o que não seria coerente com a definição de corpo que demos acima.

Isso foi dito para que fique clara a impossibilidade de um corpo causar algo em si mesmo. Vamos somar esse argumento ao argumento de que uma substância não material não poderia causar em uma substância material, e vice-versa.

Mas antes disso, vamos nos deter mais atenciosamente sobre os mecanismos de causalidade da física. Até a idade moderna, os físicos acreditavam em uma relação de causalidade que se dava de forma linear, segundo a lógica da causa/efeito. Essa mesma lógica foi utilizada por Pavlov e Watson em suas tentativas de explicar o comportamento dos organismos.

No entanto, quando Pavlov e Watson realizaram suas pesquisas, essa lógica de causalidade já estava superada pela lógica das múltiplas relações de causalidade.

Essa inovação na física teórica foi originalmente sustentada por Ernst Mach, físico e filósofo austríaco e teve grande influência nos trabalhos posteriores, como a Teoria da Relatividade de Albert Einstein, por exemplo.

Segundo a lógica das múltiplas relações, um determinado fenômeno não está isolado do mundo com sua causa. Na verdade, um fenômeno não possui uma única causa. Um fenômeno acontece segundo uma equação de causalidade em que é variável dependente de inúmeras variáveis independentes (em relação à equação desse fenômeno) dependendo da complexidade do fenômeno.

Essa idéia das múltiplas relações está de acordo com o princípio da não-causação espontânea, que é uma impossibilidade física. Uma vez que um corpo não pode causar nada em si mesmo, temos como conseqüência óbvia, que um cérebro não pode causar modificações em si mesmo de forma espontânea. Digo isso, para defender a tese de que as reações cerebrais são inúteis para os resultados do comportamento. Pelo menos na maioria das vezes não temos condição de modificar o comportamento através de modificações no cérebro, ainda que lobotomias e drogas sejam atitudes possíveis, elas me parecem condenáveis.




Seleção comportamental: genética, operante e cultural:



Uma vez exposta a teoria das múltiplas relações e sua relação basilar com o comportamento orgânico, passamos a investigar o mecanismo pelo qual os comportamentos são selecionados, o que se dá em três níveis. No primeiro dos níveis, as características de um indivíduo orgânico são selecionadas geneticamente, não vou me deter demais nesse tema, pois ele é muito bem trabalhado pelos geneticistas.

Mas cabe ressaltar que são selecionados dessa forma dois tipos de componentes comportamentais importantes. São selecionadas assim as condições de possibilidade dos comportamentos. Um exemplo simples, é a capacidade dos seres humanos de falar. Essa capacidade só pode ser adquirida geneticamente, ainda que a forma como essa fala irá se dar seja selecionada de outra forma. Assim sendo, presentes determinados estímulos, um homem irá desenvolver uma linguagem verbal, o mesmo não ocorreria com amebas, ou cães, por exemplo, por mais que os mesmos estímulos que geram comportamentos verbais possam ser apresentados a essas espécies de organismos, eles não irão desenvolver uma linguagem verbal semelhante a humana. O segundo tipo de componente comportamental selecionado dessa forma é o chamado comportamento reflexo. Os comportamentos reflexos são aqueles comportamentos que, já previamente selecionados pela genética, independem de suas conseqüências para que sejam realizados pelos organismos. A sensação de dor quando sofremos um ferimento, ou a salivação quando sentimos o cheiro de um alimento apetitoso são exemplos de comportamentos reflexos.

O segundo nível de seleção de comportamentos é o nível mais bem estudado pelos psicólogos behavioristas. Essa seleção, denominada seleção operante, ocorre pelas conseqüências que o comportamento provoca no ambiente. Seguindo uma classe de respostas, um organismo irá se comportar de forma semelhante no futuro se essa resposta for reforçada, irá abandonar essa forma de comportamento se não for reforçado e irá se comportar de forma diversa se for punido.

Cabe ressaltar que reforço, extinção e punição não são termos pré-definidos, ou definidos segundo uma ordem valorativa. Para um behaviorista, uma conseqüência será reforçadora sempre que aumentar a probabilidade de que determinado comportamento ocorra, será uma punição quando aumentar a probabilidade de que outro comportamento ocorra e será uma extinção toda vez que, na ausência da conseqüência reforçadora a probabilidade do comportamento semelhante diminuir.

É dessa forma que são selecionados os comportamentos que um indivíduo orgânico realiza em sua vida. No entanto, determinadas práticas comportamentais são comuns a determinados grupos de organismos e possuem seus próprios mecanismos de seleção. A essa forma de seleção damos o nome de cultura. Os comportamentos culturais são selecionados de forma análoga aos comportamentos operantes, mas de forma independente das vontades e dos mecanism

os que selecionam os comportamentos individuais.

Assim, embora determinadas práticas sejam coincidentes em grande parte dos indivíduos de uma cultura, isso não significa que essa seja uma prática cultural, pois esse comportamento pode ser reforçado de forma operante, mas punido ou não conseqüenciado culturalmente. Podemos citar como exemplo clássico de comportamento que é operantemente reforçado e culturalmente punido o crime de roubo na sociedade belorizontina. De forma operante, uma pessoa que rouba adquire dinheiro, por exemplo, e adquirir dinheiro é uma forma bastante comum de reforço positivo. Por outro lado, na sociedade belorizontina o roubo é um crime, ou seja, é uma prática que foi selecionada como indesejável e é geralmente conseqüenciado com uma pena de prisão ou tão frequentemente quanto, com o linchamento.




A questão da liberdade no paradigma behaviorista, ou o mito da liberdade:



Duas práticas opostas mais igualmente condenáveis, se é que não são mesmo inevitáveis, são muito comuns na filosofia. A primeira dessas práticas é o hábito de se redefinir termos já i

dentificados com um determinado conceito por outro conceito completamente oposto, para adequá-lo à correspondência com a verdade. Sabemos que essa é uma prática ruim por que provoca tanto confusão conceitual quanto faz com que sejamos forçados a utilizar uma palavra com a qual estamos plenamente habituados em um contexto que não estamos habituados. A segunda prática é o hábito de dizer que determinado termo não existe, ou que a coisa à qual determinado termo se relaciona não existe. Essa prática é igualmente condenável por que pretende que paremos de usar uma palavra com a qual estamos plenamente habituados substituindo-a por outra. O que geralmente resulta não n

a troca de conceito, mas na troca tão somente do nome do conceito, além é claro de criar a mesma situação constrangedora de termos que usar uma palavra com a qual não estamos acostumados.

É a partir desse ponto de vista, que pretendo investigar a liberdade segundo um ponto de vista behaviorista. Sabemos de antemão que um conceito de liberdade segundo o qual é livre quem age da forma como deseja, ou é livre aquele que age conforme a própria vontade, não pode ser entendido como independente de controle, pois sabemos que também as vontades são selecionadas de forma controlada.

No entanto, a definição de liberdade como ação voluntária é completamente adequada ao behaviorismo, embora perca função e importância. Na verdade, a melhor forma de se definir liberdade segundo um ponto de vista behaviorista é defini-la como uma sensação, e não como uma relação entre organismo e ambiente.

Dessa forma, embora os organismos não sejam de fato livres (se entendermos liberdade como independência) eles se sentem livres em determindas ocasiões e o mais relevante, eles gostam disso. Isso faz com que seja relevante responder a seguinte pergunta: qu

ais são as ocasiões em que um organismo se sente livre?

A identificação da liberdade é um bom indício de qual caminho devemos seguir. Sabemos que um processo de reforçamento modifica tanto o comportamento de um organismo (ação), quanto sua vontade de realizar tal comportamento (pensamento), enquanto uma punição tende a modificar o comportamento (ação), mas não modificar a vontade (pensamento). A partir disso, podemos em um primeiro momento, identificar a liberdade com as formas de comportamento que são selecionadas por reforçamento e extinção, enquanto as formas de comportamento controladas por punições seriam coagidas, não livres.

Temos de trazer a baila, porém, o fenômeno do escândalo que é provocado por uma pessoa quando se vê controlada em sua vontade. A literatura da liberdade deu a essa prática, entre outros, o nome de lavagem cerebral. E embora o controle externo da vontade seja inevitável, uma vez que isso seria independência comportamental, algo que sabemos ser fisicamente impossível, o controle de uma vontade por outra vontade é algo considerado pelas pessoas como inaceitável.

Evitando fazer um questionamento valorativo mais alongado sobre o tema, diríamos que a forma de definir a liberdade mais adequada a forma como as pessoas se se

ntem livres, seria dizer que uma pessoa age livremente quando age de acordo com sua vontade e quando essa vontade é controlada de forma estritamente casual, não planejada por outro indivíduo.

Ou em outras palavras, o comportamento livre é aquele comportamento selecionado por reforço positivo ou extinção e que não seja previamente planejado, mas selecionado apenas pela natureza ou pela cultura de forma abstrata. Ainda assim, essa é uma definição confusa e um tanto quanto inútil, uma vez que dada a interdependência entre os comportamentos orgânicos, não temos

motivo alguma para acreditar que um comportamento selecionado de forma planejada seja melhor do que um comportamento selecionado de forma “natural”,

caótica. Mesmo porque a preferência cultural das pessoas por essa definição de liberdade também foi selecionada em algum momento da história.

domingo, 23 de setembro de 2007

Digressões em torno da liberdade humana

O filósofo Daniel Dennett, em seu livro Freedom Evolves (inédito no Brasil), queixa-se da “agenda oculta que tende a distorcer as teorias em todas as ciências sociais e da vida”: “a antipatia velada” a duas idéias, a de que “nossas mentes são apenas o que os nossos cérebros fazem sem milagres”, e a de que “os talentos do nosso cérebro tiveram que evoluir como qualquer outra maravilha da natureza”. Para defender essas duas idéias, vamos partir da crítica daquela que foi a ideologia dominante nas ciências sociais do século XX: o marxismo.

Por trás da utopia marxista, inspirada originalmente no bom selvagem de Rousseau (aquele que é virtuoso no estado de natureza, mas corrompido pela sociedade), sempre houve o propósito de re-fundar toda a cultura humana. Construir o comunismo era, antes de tudo, incutir nas mentes de todos o senso de igualdade. Assim, a solidariedade com o sofrimento alheio e a luta contra a opressão do homem pelo homem, levariam as pessoas a recusarem todo tipo de domínio, o que resultaria num futuro sem classes ou hierarquias.

Implícito por trás desse programa, encontramos, como em boa parte da teoria social que vicejou no século XX, a idéia da “Tabula Rasa”. A premissa era: se o que determina a conduta humana são os valores e práticas histórica e socioculturalmente construídos, bastaria promover uma revisão desses valores para se fundar uma nova humanidade.

Tendo essa idéia em vista, Mao Tsé-Tung levou a cabo a Revolução Cultural (1967-1977), uma das maiores atrocidades da História da Humanidade, com um saldo de pelo menos 1 milhão e meio de mortos, na qual bandos de jovens (era preciso começar pela juventude ingênua e com a “tabula” ainda vazia, não é mesmo?) assassinavam, destruíam obras de arte, templos e edificações milenares, humilhavam e violentavam seus compatriotas. Isso sem falar na “reeducação” dos “burgueses” (leia-se intelectuais). O Camboja de Pol Pot não fez diferente: para erradicar a “cultura burguesa”, culpada pela desigualdade e o sofrimento do povo, mandava-se matar qualquer um que usasse óculos. No fim das contas, 1/5 da população do país foi massacrada. Contudo, nem nesses dois países, nem na União Soviética, a estrutura socialista foi capaz de eliminar a desigualdade e a exploração, tendo havido, no fim das contas, apenas uma troca na opressora elite dirigente.

O que descobrimos a duras penas com esses e outros exemplos é que algumas características do homem simplesmente não podem ser “culturalmente alteradas”. Isso é apenas um indício de que temos boas razões para resgatarmos a noção de “natureza humana”, nesses tempos em que o pós-modernismo proscreveu essa expressão do vocabulário, por não ser “politicamente correta”.

Aliás, o debate atual, nesse início de milênio, é mesmo o de retomada do tradicional problema da filogenia versus ontogenia (ou nature vs. nurture), que no início do século XX dominou o debate entre os pais das ciências sociais (Sigmund Freud, Émile Durkheim, Franz Boas) e a ideologia racista e arrogante do século anterior: o comportamento é fruto da cultura ou da biologia? Naquela época, prevaleceu a tese da “Tabula Rasa”, que hoje é um lugar-comum, e que afirma que somos condicionados apenas por fatores socioculturais.

Não só isso: o senso comum tem clareza de que o ser humano é um ser dotado de uma alma ou espírito, e que essa é uma substância incorpórea que governa o corpo, conforme seu livre-arbítrio e seus valores. Acontece que esse dualismo mofado só pode ser sustentado dogmaticamente, via convicção religiosa. Cientificamente, precisa-se de uma relação de causalidade para a ação humana, o que é impossível de ser explicado se recorrendo ao “fantasma da máquina” que seria o espírito. O nosso comportamento tem que ser originado de alguma maneira naturalmente explicável.

Ou ele é gerado de forma completamente aleatória (imagine uma “loteria” que existisse no cérebro, sorteando as condutas possíveis... isso não parece plausível, não é mesmo?), ou ele é causado de alguma maneira. Vimos que para os pós-modernos e os marxistas, é somente a interação sociocultural que molda nosso comportamento.

Mas isso tampouco faz sentido. Pergunte a um pai que cria dois filhos da mesma forma se eles não têm personalidades muito distintas. Ou então junte dois gêmeos idênticos criados em lares separados e veja o quanto do comportamento de ambos é semelhante (há uma extensa pesquisa disso sendo conduzida pelo Depto. de Psicologia de Harvard, e os resultados são impressionantes). Ou então vamos analisar a lista de “universais humanos”, isto é, características que ocorrem em todas as sociedades humanas, por mais distintas que sejam suas culturas. Cada sociedade tem as mais variadas formas de vestir-se; mas em todas elas vestimenta ou ornamentação corporal são símbolo de status. Há sociedades canibais, há outras em que isso é impensável, há sociedades que estimulam a pedofilia e o homossexualismo, há outras que criminalizam essas condutas. Mas em todas elas os homens são mais violentos que as mulheres. Temos no ocidente o “due processo of law”, um processo penal que garante direitos humanos e ampla defesa, mas entreguemos o estuprador às mãos do pai ou marido da vítima, e veremos uma vingança brutal e sangrenta.

Se o homem é uma “Tabula Rasa”, por que é que as crianças começam a rir a partir dos 3 meses de vida, mesmo que tenham nascido cegas ou surdas? Se os nossos valores éticos é que guiam o comportamento, como explicar que consideremos compreensível que um pai que tenha que escolher entre a morte de um filho seu e a de 5 outras crianças deixe com que estas pereçam?

É... algo deve estar errado com a visão tradicional de que o homem é um animal para algumas coisas (sexo, alimentação, ou outros ramos da existência em que dominam os “instintos”) e um frio e meticuloso intelecto em outros (seria a nossa parte “racional”, que guia a nossa interação social).

A etologia e, notadamente, os primatologistas, estão nos fazendo o grande favor de mostrar que há outros animais com vida social e complexos traços culturais (linguagem, uso de ferramentas, comportamentos morais, disputas políticas, etc). Com isso, podemos acreditar que há uma “natureza humana” de fato. E que ela não se limita ao nosso lado “selvagem”, mas governa boa parte de nossa existência. Por fim, concluímos que, se isso vem de algum lugar, a única explicação bem fundamentada que temos hoje é que o homem e suas características comportamentais resultam de um processo de seleção natural, inserido nos milhões de anos de evolução da sua espécie, e que possibilitou a transmissão hereditária daquilo que nos define.

Para o humanista que estiver lendo essas linhas indignado, peço que releia as milhares de páginas que a literatura ocidental nos legou. De Homero a Shakespeare, passando por Cervantes, Guimarães Rosa, Dostoievski, Machado de Assis, Sófocles e Dickens, temos facilmente reconhecíveis os vícios e virtudes universais da espécie humana. E não é pretensioso afirmar que, assim como no passado e agora, no futuro aquelas pessoas expansivas e com melhor retórica dominarão grupos carismaticamente, os políticos sempre mentirão, a violência e o crime estarão presentes em qualquer sociedade, haverá desigualdade social* e sempre haverá ciúme, inveja e ganância, mas também esperança, altruísmo e cooperação. Em outras palavras: eis a natureza humana. "Homo sum. Nihil alienum homini a me puto", escreveu o dramaturgo latino Terêncio (“Sou humano. Nada do que é humano julgo ser alheio a mim”).



Estou dizendo que tudo está nos genes do Homo sapiens? Absolutamente não. Como qualquer um versado minimamente em genética sabe, os genes sozinhos não são nada. O nosso comportamento resulta de uma complexa interação entre o que é universal (estrutura biológica) com o que é imensamente variável (o ambiente: aí incluímos desde a geografia até a cultura humana, que é incrivelmente diversificada). Não temos a oposição nature vs. nurture, mas a dinâmica correlação entre ambas. O nosso “instinto moral” pode nos dar um senso inato de equidade, mas “o que é justo?” é uma pergunta cuja resposta depende inteiramente do contexto sociocultural. Os nossos genes podem ser programados para procriarmos o máximo possível e reagirmos violentamente à agressão, mas a cultura pode nos ensinar planejamento familiar e pacifismo. E por isso a cultura continua sendo fundamental.

Digo isso porque, mesmo admitindo que nossas ações resultam não de um espírito imaterial, mas da cognição, e que esta se passa no cérebro humano, moldado após milhões de anos da evolução da espécie, e conforme interações entre o que nos é inato e o que a vida em sociedade nos apresenta, não temos que aceitar um determinismo tosco. Afinal, como afirma Dennett no livro citado, nós humanos temos plena consciência do que se passa conosco, e somos, mais do que qualquer outro animal, capazes de planejar nosso futuro. Nosso comportamento tem causas que podem ser exploradas, mas nós temos a nítida percepção de sermos livres. O livre-arbítrio, nesse sentido, se coaduna com uma explicação naturalista, não-sobrenatural, da condição humana.

O filósofo italiano Pico della Mirandola (1463-1494) escreveu: “tu és árbitro e soberano artífice de si mesmo”. Revisitando a fala do pensador, eu diria que sim, somos árbitros do nosso destino, porque assim nos sentimos; podemos não ser soberanos, mas, exatamente para podermos ser um pouco mais donos de nós mesmos, temos que conhecer bem aquilo que inevitavelmente faz parte de nossa natureza**.

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* Não estamos com isso esposando nenhum conformismo com a pobreza ou a miséria. Fato é que toda organização animal, em face de recursos escassos (alimentos, território e parceiros sexuais) resulta em desigualdade social. Contudo, devemos buscar, dentro da desigualdade que é inevitável, um mínimo de dignidade para todos. John Rawls, em seu Theory of Justice, assevera que a desigualdade em si não tem problema algum, desde que todos tenham, no “ponto de partida”, condições iguais para batalhar, meritocraticamente, por riquezas. Acreditamos que a democracia só é possível se o Estado garante a todos os cidadãos os direitos sociais básicos.
** Como já afirmei aqui antes, creio que os avanços da tecnologia nos campos da genética e da robótica possibilitarão, ainda no período de nossas vidas, mudanças radicais no que chamo de “natureza humana”. Aí sim, teremos transcendido os limites do humano, demasiado humano.

domingo, 2 de setembro de 2007

Origens do homem e diversidade

Um trabalho que merece atenção na atual discussão deste grupo de aventureiros, sobre a natureza e as origens do homem, é o do geneticista italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza, que em 1996, no livro Geni, Popoli e Lingue, demonstrou que não há qualquer fundamento para distinção do Homo sapiens em raças, assim demolindo um argumento de tão triste história.

Para o cientista, uma das mais proeminentes figuras do Projeto Genoma Humano, as variações genéticas encontradas entre as populações humanas são muito mais tênues do que aquelas que vemos entre raças de outros animais. Mas ele mesmo já pontua, com ironia, que Charles Darwin já sabia muito bem disso, 150 anos atrás. Assim caminha a humanidade.

Abaixo, para os curiosos, um esquema das populações feito com base no material genético que ele coletou ao redor do mundo e analisou.

Um dado interessantíssimo é que as conclusões do cientista batem com a dos linguistas que procuram estudar a origem comum das línguas. O ramo do indo-europeu, do qual fazem parte línguas tão diversas quanto as latinas, as celtas, as germânicas, o grego, o armênio, o extinto hitita e o sânscrito, faria parte de um grupo maior, o do nostrático. Quanto mais distantes umas das outras, maiores as diferenças sintáticas e na etimologia.

Porém, assim como as diferenças genéticas entre as populações não justificam a sua compartimentação em raças distintas, as diferenças entre as línguas ocultam estruturas subjacentes, comuns a todas elas. É essa a tese da gramática universal de Noam Chomsky.

Afinal, basco e chinês podem ser duas línguas muito difíceis, por serem não-indo-européias, mas qualquer falante normal do português pode aprendê-las.

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Post Scriptum:

1. Os esforços na recuperação de línguas remotas, como o hipotético proto-indo-europeu pelo geórgio Tamaz Gamkrelidze e pelo russo Vyacheslav Ivanov mereceriam um capítulo à parte. Porém, o autor aqui fez a irresponsável escolha de largar as Letras pela republiqueta de bananas e bacharéis... fica para outra encarnação.

2. Clique aqui para ler um ótimo texto de Hélio Schwartzman, da Folha, sobre a tese de Chomsky.

Entre palavras e coisas: por uma abordagem estruturalista da História do Direito


Falando em modinhas...Sobre a francesa. Este texto foi a breve comunicação que apresentei no I Congresso Mineiro de Filosofia do Direito. Nada pretensioso, não esperem uma profundidade filosófica acentuada, tampouco discussões contemporâneas sobre mente, bioética, microchip ou cibernética.

João Vitor Loureiro

A presente comunicação começa por uma citação que Michel Foucault (1926-1984) faz em sua obra As Palavras e as Coisas, datada de 1966. Definindo a história que perdurou durante o chamado período clássico, anterior à revolução racionalista, o filósofo francês toma o historiador da Grécia Antiga como exemplo: aquele que narra a partir de seu olhar.
E o que era narrar a partir de seu olhar? Era precisamente recolher o dado das coisas, filtrá-las pela perspectiva do narrador, a fim de se obter uma história que fosse "verdadeira". O compromisso de tal história não era com a precisão, com a verdade das coisas, mas com a verdade do intérprete - notem os leitores como tal construção da análise histórico-narrativa repousa com conveniência ao conceito kantiano de verdade construído posteriormente- a verdade enquanto adequação da coisa ao intelecto ou do intelecto à coisa.
Os exemplos dessa perspectiva são vários. Há, afinal, algo de muito mais místico, divinizado e epopéico no saque de Roma por Átila e os hunos do que histórico. O "flagelo de Deus" tomaria o Império derrotado e deporia o último rei, dando início a uma nova fase da História Ocidental. (ah, por favor, sem os visigodos, sem os vândalos, sem o resto, o saque dos hunos seria bem menos do que foi). Trata-se de um exagero histórico. Certamente o historiador que narra tal episódio parte como foco de sua experiência diante dos hunos que em relação aos demais povos bárbaros.

Pois bem. É esta a história que temos até o século XVII. E uma História do Direito anteriormente escrita assim também o era. Afinal, por que o fetichismo com o Oidente? Por que Direito Romano? As respostas a tais perguntas cartamente estão nessa espécie de narrativa compilatória e filtrada, empreendida pelos historiadores daquele tempo. A história dos vencedores. A história dos bons. Ou seria uma história omitida? Uma história mal-contada?

Porém, é a partir do século XVII que nasce a função representativa dos signos. Durante o período anterior, descrito acima, da história clássica, o signo era considerado pertencente à categoria de coisa. O inexplicável, o não-plausível, o injustificado poderia ser narrado, e imiscuía-se no diálogo histórico. Não importava que não fosse revestido de ordem lógica, de efeito significativo.

Mas o movimento racionalista passou a exigir que as palavras fossem dotadas de significado. E que representassem o que quizessem dizer. Tão importante para essa nova história escancarada pelos augúrios da Modernidade foi a a invenção da imprensa por Gutenberg no século anterior. A palavra torna-se funcional. E representa o universo do conhecido. O homem passa a ter poder sobre as coisas, em sua relação de conhecimento. É o verdadeiro momento de restituição da ordem lógica das coisas, da marca do mundo. E de restituição da linguagem a todas as plavras encobertas.

As coisas continuam a ser coisas. Só que passaram a ser representadas por palvras. Pensem que todas as coisas incluídas no antigo método clássico eram encaixadas ou encaixáveis numa narrativa histórica. Desde a fé do narrador, aos ratos que devorassem sua colheita, eram elementos para se descrever uma situação. Com a "revolução racionalista", só as coisas dotadas de significado histórico poderiam constituir uma narrativa histórica. Cria-se um filtro metodológico e um ambiente de discussão histórico, organizado em palavras, línguas, fontes e documentos.

Qual teria sido, então, a primeira história construída por tal método? Certamente, uma história natural, na qual a descrição poderia estar à frente da interpretação. E tal método prevaleceria mesmo para o Direito. Ousaria dizer que em tal período o Direito orgãnico metamorfoseia-se num Direito sistêmico.

Como assim? Máximo ou não, o direito encontra-se em toda cultura. Qualquer indivíduo guarda para si uma consciência jurídica anterior à própria experiência jurídica. Uma consciência jurídica ou uma consciência de justiça? Esta é uma farta discussão, não entrarei em maiores detalhes porque não é o objetivo desta comunicação. Admitindo se tratar de uma consciência jurídica, é ela quem criará os contornos à compreensão sistêmica de Direito. Em outras palavras: a instituição normativa nasce com a consciência jurídica, somada ao poder.

Afinal, a norma jurídica em sua concepção tradicional nada mais é que uma antecipação de contutas. Ela antevê, sancionando, ou prevê, declarando. Assim, meus caros, o método histórico racionalista casa-se com o método jurídico. A norma jurídica exerce a função de representar o que são os homens, o que fazem os homens, como agem os homens e do que precisam os homens. É esse direito fático, das circunstãncias, das relações dos homens entre si e com as coisas, esse direito cotidiano que se revela como um direito vivo, experimentável, orgânico. Um direito a ser descrito. Um Direito a ser declerado. Representando essa diversidade, a norma organiza e passa a representar a totalidade de circunstâncias, condutas e carências. Nasce a idéia de um ordenamento jurídico, e com ele a noção de um Direito organizado em sistema.

Adicione-se a consolidação da idéia de um tal Estado ocidental. O Direito sistêmico, perfeito, sem lacunas, assume seu curso fundamental. O Direito se funde com a idéia de estrutura. Precisamente, tal é o Direito repassado pelas gerações históricas, chegado até nossos dias. Suja compreensão é marcada, idealizada. A estrutura é o resultado pleno desse filtro metodológico, que imprime sobre as coisas uma linguagem de palavras. O estruturalismo organiza o conhecimento e investiga, partindo dessa análise, a gênese das Ciências Humanas.

Não obstante, o que fizeram os juristas com tal Direito sistêmico? Alguns, animados com a grande revolução da estrutura como método, acreditaram impossível pensar e falar sobre palavras sem retomer-se ao subjetivismo clássico. Fizeram então algo que propagaram como "revolução" do direito e que, na verdade, caracterizou-se por ser mero desdobramento histórico: secaram, desodorizaram, deacoloriram o Direito. O rico direito quotidiano, sensível, experimentado, foi completamente enxugado pela concepção posterior, nos séculos XIX e XX de Direito: nasce o normativismo kelseniano, o purismo metodológico. o positivismo normativista subsuncionista. Quase matemático. Esqueceram-se da função que o interpretar confere ao representado.

Foucault já afirmava que a representação dá lugar a várias proposições, pois os nomes que a preenchem a articulam segundo modos diferentes. Sem interpretar, as Ciências Humanas nada são e nem podem querer ser. Tampouco o Direito. A hermenêutica foi o desdobrar natural da linguagem representada, da linguagem estruturada e sem fronteiras. E é com ela, senhores, que lhes lembro da importãncia de sermos não apenas juristas, mas juristas e historiadores: criando a nosso tempo uma língua jurídica própria, organizada, sistemática, sem perder de vista o cotidiano de coisas que tal linguagem representa.

sábado, 18 de agosto de 2007

Um olhar panorâmico sobre a Filosofia da Mente



Embora a reflexão acerca da mente remonte à discussão grega da natureza da psykhé, a Filosofia da Mente só se consolidou no século XX, com a aproximação entre a psicologia, a ciência da computação, a engenharia e a filosofia. A área experimentou um verdadeiro “boom” na década de 1970, com a descoberta de que máquinas podiam fazer coisas antes consideradas exclusivamente humanas, como jogar xadrez. Hoje, é um campo de trabalho extremamente promissor, transdisciplinar, mas ainda pouco conhecido no Brasil – provavelmente porque a “modinha” pós-moderna introduziu os franceses na nossa Academia de tal forma que a Filosofia em língua inglesa ainda sofre um considerável preconceito.

O primeiro mal-entendido que deve ser desfeito é o daqueles que acham que a Filosofia da Mente se ocupa de algo intangível, imaterial. Se é verdade que há uma corrente – o dualismo – que postula que os fenômenos psicológicos nunca poderão ser descritos numa linguagem materialista, hoje eles são a minoria. O mesmo ceticismo que levou Burrhus Skinner a negar a existência da mente, e Ludwig Wittgenstein a queixar-se que “na psicologia há métodos experimentais e confusão conceitual” é o que norteou muitos filósofos, que buscaram uma explicação materialista para fenômenos como a aprendizagem, a percepção, a memória e o processamento de informações.

A seguir, usando como base o esquema de João de Fernandes Teixeira em Mente, Cérebro e Cognição, vou sintetizar as linhas de investigação em Filosofia da Mente:








O dualismo de substâncias postula que os objetos materiais e os mentais são completamente distintos. Descartes, ao dividir entre res extensa (espacial, pública, extensa) e res cogitans (não-espacial, privada, sem extensão) tornou-se o filósofo mais destacado dessa posição. Aliás, a visão do senso comum, ou da maioria das religiões, é do dualismo de substâncias: temos corpo e alma, sendo esta última imaterial, eterna, intangível. O grande problema aqui é que não se pode explicar como uma substância imaterial pode causar alterações numa substância material. A única saída é abolir a explicação pela causalidade e abdicar à fundamentação da tese. Nenhum filósofo sério defende essa posição hoje, mormente depois de Gilbert Ryle ter cunhado o termo “ghost in the machine” para criticar a posição.

Existem filósofos gabaritados, como Thomas Nagel e David Chalmers (compilador da maior coletânea de artigos em filosofia da mente existente) que defendem um dualismo mitigado, de propriedades. Eles admitem alguma interação causal entre mente e matéria, mas duvidam, com argumentos, que exista uma interpretação física dos estados subjetivos e conscientes.

Outra posição é a de que a idéia de mente não passa de um mal-entendido, de uma explicação primitiva para algo que a ciência desvendará, à medida que se estude o cérebro. Assim, se até a explicação científica de doenças mentais se lançava mão da bruxaria enquanto explicação para certos comportamentos, nós nos referiríamos à “mente” apenas porque ainda não temos uma explicação materialista completa das faculdades do cérebro.

Gilbert Ryle defendeu, em The Concept of Mind (1949), que exorcizássemos o “ghost in the machine”, por meio da terapia lingüística. Para Wilfrid Sellars, em “Empiricism and the Philosophy of Mind” (1963), a mente não passaria de uma “ilusão cultural”, fruto de uma “expansão exagerada da linguagem”. Os pesquisadores que levam mais a sério esse programa de pesquisa são o casal Paul e Patrícia Churchland, que propõem um progressivo abandono da “folk phychology” (que descreve comportamentos em termos do vocabulário mentalista de desejos, crenças e intenções) em nome de explicações científicas, com base em estados neurais. Richard Rorty defendeu, por um tempo, essa linha, mas depois a abandonou.

O monismo materialista (não falaremos aqui do idealista, que é aquele que explica tudo em termos de fenômenos mentais – remetemos à filosofia do empirista George Bekeley) é a posição dominante em filosofia da mente. As suas variedades afirmam que, de um jeito ou de outro, aquilo que descrevemos como estados mentais são estados cerebrais (teorias da identidade), ou são redutíveis a estados cerebrais (reducionismo), ou ainda, emergem de uma certa combinação de estados cerebrais (teorias da supereveniência). A explicação materialista chegou ao pódio na década de 1970, com a reflexão acerca da Artificial Intelligence: se os estados mentais são fruto de um certo arranjo físico, cerebral, então é possível reproduzir em máquinas essas estruturas, fazendo com que existam máquinas inteligentes?


Foi aí que surgiu o funcionalismo. Em “Minds and Machines” (1975), Hilary Putnam descreveu mente e cérebro em termos de software e hardware. Jerry Fodor, filósofo analítico e da mente, distinguiu em “The Language of Thought” (1975) entre o hardware do cérebro e a “linguagem do pensamento”, o software que consistiria nos símbolos, enquanto representações mentais, manipulados pela mente.

O funcionalismo tinha insuficiências ao tentar descrever uma estrutura biológica como uma máquina. Os seres vivos simplesmente não funcionam apenas como circuitos. Além disso, encontrou um entrave sério no problema da consciência: as máquinas podem jogar xadrez; mas elas se reconheceriam no espelho? Elas seriam capazes de se perceber como seres pensantes, passíveis de erro, e de aprendizagem independente de programação prévia? Enfim, alguns filósofos da mente perceberam que, sem a noção de experiência consciente, as explicações da mente seriam estéreis. Eis o motivo pelo qual atualmente a Fil. da Mente é, principalmente, uma Filosofia da Consciência.

O funcionalismo também não foi capaz de levar em conta uma revolução que vem ocorrendo em vários campos da ciência, de forma vertiginosa, desde a década de 70: a redescoberta de Darwin. Hoje, em qualquer periódico de neurobiologia, antropologia física ou psicologia, as teses sustentadas pelos pesquisadores têm como pressuposto básico a seleção natural enquanto explicação para a origem das faculdades humanas. Dois pensadores importantes que trouxeram Darwin para o estudo da mente são o psicólogo de Harvard Steven Pinker e o filósofo da Univ. de Tufts, e discípulo de Ryle e Quine, Daniel Dennett.

Pinker sugere que as faculdades da mente humana podem ser explicadas usando-se a teoria computacional - mas ao contrário de Putnam, respeitando seu caráter biológico, pois alia aquela à teoria da evolução de Darwin. Assim, as faculdades computacionais da mente teriam sido projetadas pelo acaso da seleção natural, como resposta às demandas do ambiente em que o Homo sapiens se desenvolveu: a savana africana. Assim, a psicologia, que teria sido até a década de 1950 um “primor de insipidez”, teria encontrado uma forma de, com o rigor científico necessário, explicar as representações mentais.

Reproduzo a seguir um trecho do verbete que o Prof. Paulo Margutti preparou para a Wikipedia, disponível em pdf no seu site, e que resume a incursão de Dennett na Filosofia da Mente:

Ele pretende fornecer uma explicação do funcionamento da consciência, harmonizando idéias de Wittgenstein, Ryle, Quine e resultados atuais da psicologia experimental. Por este motivo, ele pode ser descrito como um pensador que defende um certo tipo de behaviorismo através de: a) uma atitude cética com respeito ao discurso filosófico tradicional; b) um nominalismo meticuloso, que rejeita essências e verdades definitivas; c) um cientificismo otimista, que inclui a crença de que a melhor explicação do funcionamento da consciência será fornecido por uma abordagem dos seres humanos enquanto organismos biológicos sob pressões evolutivas. A abordagem de Dennett é não apenas naturalista, mas também funcionalista, no sentido de que os organismos humanos são máquinas biológicas cujo comportamento é controlado por seus cérebros. Tal funcionalismo está ligado a um interesse predominante nas relações e não nas propriedades. Isto quer dizer que as “propriedades” dos objetos tendem a ser tratadas como relações e que os objetos não são considerados em si mesmos, mas holisticamente, ou seja, em suas conexões com outros objetos. Em muitos aspectos, o pensamento de Dennett está próximo do de Rorty, do de Nietzsche e do de Derrida.

Dennett é um dos reabilitadores da “folk psychology”. Para ele, não se trata de uma teoria superada, como a do flogisto ou a da possessão demoníaca. Pelo contrário, junto com Pinker, ele vê a “folk psychology” como uma explicação para o comportamento humano que teria sido desenvolvida por nossos ancestrais num longo processo, e que seria indispensável à nossa sobrevivência em grupos de complexa interação social. E por mais que a ciência avance, ao explicar estados neuronais, talvez seja mais prático e útil continuar lançando mão, no cotidiano, do nosso vocabulário mentalista. Afinal, como conclui João Teixeira, “substituir a ‘folk psychology’ pelo ‘neurologuês’ equivaleria a usar mecânica quântica para projetar pontes e casas”.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Exercícios de ficção científica I: um mundo de robôs





Esse texto representa o primeiro de 3 textos que pretendo escrever com o título de exercícios de ficção científica. São textos sobre ramos da ciência ainda não muito desenvolvidos, ou ainda distantes de seus máximos potenciais o bastante para justificar o título de ficção. Pretendo neles descrever as potencialidades que imagino para determinadas áreas do conhecimento e explicar, ou pelo menos fazer com que a minha esperança na tecnologia não se pareça mais otimista do que a facticidade nos permite.

O mundo dos robôs


1. Robôs já existem, mas ainda são rudimentares, os robôs de hoje, estão mais distantes dos robôs de amanhã, quanto o 386 está distante do Pentium 4. Isso por que ainda não temos robôs em casa, aliás, os robôs são muito raros em qualquer lugar que não seja uma universidade de ponta, com bons cursos de pós-graduação em engenharia.

Isso significa que imaginar robôs se tornando parte do cotidiano do homem ainda é um exercício de ficção científica, ou seja, algo que não iremos pensar a não ser que sejamos especificamente estimulados. Como não pretendo criar uma ficção cientifica inteiramente nova, irei me basear primordialmente nos robôs, e num mundo de robôs como descritos por Asimov.
2. O primeiro tipo de robô que iremos imaginar é um robô operário, substituindo o operário humano nas tarefas “inteligentes” realizadas atualmente por humanos. Para isso, temos de imaginar uma fabrica que seja também muito mais automatizada do que são as fabricas de hoje em dia. Vamos pensar em uma fabrica em que a única tarefa a única tarefa realizada por um humano seja ligar e desligar as máquinas, colocar a matéria prima na primeira esteira, e recolher as embalagens na última, além de supervisionar o processo. Imaginando a simplicidade dessa fábrica, não é tão difícil imaginar que ela possa ser controlada exclusivamente por robôs. Imagine que ela nunca seja desativada por completo, apenas para procedimentos de manutenção que podem ser iniciados por leitores eletrônicos, e realizado por robôs capazes de interpretar esses leitores. O resto, depositar a matéria prima na primeira esteira e recolher os produtos já embalados na última, depositando-os no transporte que irá levá-lo até o lugar de consumo.


Temos nosso primeiro robô, o robô operário, realizando funções complexas, que atualmente são realizadas pelos gerentes, enquanto maquinas não inteligentes realizariam as demais tarefas. Com isso, temos a eliminação de grande parte dos trabalhos humanos imagináveis num mundo altamente automatizado. Pare por alguns segundos e tente imaginar as conseqüências disso. Irei descrever a minha imaginação ao final do texto.
3. O segundo tipo de robô pretende eliminar algumas das atividades realizadas por humanos que ainda não conseguimos imaginar sendo realizadas por robôs. Imaginemos um robô babá. Pense que para isso, seria necessário imaginar um robô com uma capacidade emocional muito maior do que a dos robôs operários, esses robôs devem ser capazes de dar carinho, e de perceber os desejos das crianças, articulando uma programação geral em respostas freqüentemente imprevisíveis. Acredito que programar todas as respostas possíveis seja uma tarefa impossível, mesmo num futuro muito brilhante. Não pense que esse robô terá toda a tarefa de cuidar das crianças, lembre que um dos resultados da robotização e da automatização das indústrias fez com que as pessoas tivessem muito tempo livre para cuidar de seus filhos e idosos. Mas ainda assim, esses robôs babás seriam muito versáteis, eles poderiam ser também robôs médicos e enfermeiros capazes de diagnosticar todas as doenças já identificadas (Essa tarefa, a pesquisa cientifica eu ainda não consigo imaginar sendo realizada por robôs) Esses robôs substituiriam não só as babás, as creches, mas também grande parte da atividade hospitalar. Os hospitais seriam úteis apenas para tratamento, não mais para diagnóstico.

Faltou imaginar, que as tarefas intermediárias também podem ser todas realizadas por robôs, sem muita dificuldade, robôs poderiam transportar os produtos entre uma fabrica e outra, entre as fabricas e as “lojas” e entre as lojas e as casas. Além disso, os robôs poderiam levar os doentes até os hospitais, ou tratarem eles mesmos em casos mais simples. Imagine novamente as conseqüências disso.

4. Por fim, vamos imaginar um terceiro tipo de robôs, um tipo de robôs responsável por produzir os novos robôs. Esses robôs seriam dotados de uma programação geral, assim como os robôs babás, mas para a tarefa de projetar robôs mais adequados anatomicamente para determinadas tarefas, e também para controlar a produção da “maternidade de robôs” e também para o diagnóstico e tratamento de possíveis defeitos. Teríamos uma grande consideração pelos robôs, e evitaríamos descartá-los, apenas produziríamos peças para substituir peças defeituosas, os robôs seriam os seus processadores, da mesma forma que os humanos são seus cérebros, no senso comum.

5. Agora, vou retratar as conseqüências conforme eu as imaginei:

Primeiramente, eu imaginei que não existirá mais trabalho, não da forma como conhecemos, “exploração de mão-de-obra”, as tarefas que não consegui imaginar sendo realizadas por robôs, seriam realizados pelos humanos com prazer: Filosofia, artes, pesquisa científica, etc.
Pensei que com isso, não existiriam mais economia como a conhecemos, “relação de troca de recursos escassos entre pessoas”, a única economia necessária seria a economia ambiental, e de fato os humanos teriam de se esforçar bastante para desenvolver formas de gerir um desenvolvimento cada vez maior e cada vez mais sustentável.

Com o fim do trabalho e da economia, não existiria desemprego, mas ócio criativo, as pessoas dedicariam seu enorme tempo livre para praticar esportes, produzir e apreciar artes, a produção cultural seria incomensurável. Com a pratica de exercícios, as pessoas seriam mais saudáveis, e ninguém teria preguiça de se exercitar, exceto ocasionalmente, por que elas não estariam cansadas demais, ou estressadas demais para isso.

Uma vez que as pessoas teriam mais saúde, elas provavelmente viveriam muito mais e teriam muito mais tempo para ainda assim não conseguirem experimentar todas as sensações possíveis, tanto as sensações físicas quanto as culturais. Além disso, com o fim da economia, as pessoas não teriam por que explorar umas as outras, e os frutos do desenvolvimento tecnológico finalmente poderiam ser aproveitados por todos.

Duas questões permanecem, fazendo com que a minha imaginação otimista possa ser uma grande ilusão, seriam elas: Quem iria elaborar as leis? E como evitaríamos que as pessoas fossem más umas com as outras? Essas questões, sobre o fim do direito, e da maldade, entre outras tantas, pretendo responder com o próximo texto, e com ele o nosso segundo exercício de ficção científica.

Abraços,

Mateus Morais Araújo

domingo, 12 de agosto de 2007

O que diferencia homens de macacos?

Para quem se interessa pelo tema, ou simplesmente ainda acha que há algo de ontologicamente distinto entre o homem e os outros animais, nada como ouvir a belíssima palestra da maior primatologista atual, Jane Goodall, nas TED conferences: What separates us from the apes?

domingo, 22 de julho de 2007

O Homem e a violência – A lição dos bonobos


Sempre sou questionado a respeito do meu interesse pelos macacos. Procuro, no presente texto, mostrar os fundamentos disso e a utilidade dessa reflexão para a Filosofia.

Por muitos anos, e em virtude das correntes contraculturais e progressistas da década de 1960 – o multiculturalismo, o feminismo, o movimento gay – falar em “natureza humana” foi considerado um sacrilégio. “Não existe natureza humana” (Sartre), era a fala corrente dos pós-modernistas e desconstrutivistas que, com isso, queriam afastar qualquer tipo de opressão, e em especial as que evocavam o holocausto nazista. Com isso, a cultura e a liberdade individual passaram a ser os únicos determinantes da personalidade de cada um.

Fato é que, desde a publicação de “O Gene Egoísta”, por Richard Dawkins (1975) e de “Sociobiologia”, por Edward O. Wilson (1975), parte significativa da comunidade científica passou a aceitar que existe, inegavelmente, uma natureza humana, condicionada por imperativos biológicos, oriundos do passado evolutivo das espécies*. Falarei novamente disso em texto futuro, bastando-nos aqui essa breve introdução.

Em texto recente do psicólogo evolucionista de Harvard Steven Pinker , intitulado “História da Violência” (2007), temos uma reflexão sobre o processo civilizatório e o declínio da violência na sociedade humana. Transcrevo um trecho:

The first is that Hobbes got it right. Life in a state of nature is nasty, brutish, and short, not because of a primal thirst for blood but because of the inescapable logic of anarchy. Any beings with a modicum of self-interest may be tempted to invade their neighbors to steal their resources. The resulting fear of attack will tempt the neighbors to strike first in preemptive self-defense, which will in turn tempt the first group to strike against them preemptively, and so on.

Em outro artigo, publicado em 2006 na Revista “Generel Psychologist”, chamado “The Blank Slate” (Tabula Rasa), em que resume os argumentos de seu livro homônimo, Pinker ataca o “mito do bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau. Para Pinker, o modelo do homo homini lupus de Thomas Hobbes seria mais preciso para descrever a conduta humana. Como animais que somos, temos uma inescapável tendência à violência, no que tange à disputa por alimentos, território ou parceiros sexuais.

Porém, se a violência é uma tendência natural, por que não dizer que a consideração pelo outro e o senso de justiça também não o sejam? O etológo Marc Hauser (Univ. Harvard) no livro “Moral Minds” (2006) e o primatólogo Frans de Waal (Univ. Emory), autor de “Primates and Philosophers” (2006), argumentam nesse sentido, trazendo boas evidências de que há algo em nossa moral que é inato, fruto do processo evolutivo do homem. Da mesma forma, outros animais – e, mais sensivelmente, os grandes primatas – apresentam fortes indícios de um comportamento moral.

No artigo publicado na Scientific American, “Sexo e sociedade entre os bonobos”, de Waal nos apresenta o fascinante comportamento sexual dessa espécie. Para quem não sabe, os bonobos são tão próximos dos humanos quanto as raposas dos cães – algo em torno de 98% de identidade genética. Até a década de 1930, achava-se que eram chimpanzés pigmeus, mas hoje se sabe que as diferenças entre ambos são significativas. E o traço mais marcante de seus hábitos é o seu deleite pela prática sexual.

Essa espécie de primata apresenta um comportamento que salta aos nossos olhos humanos: eles copulam, em quase 1/3 das vezes, face a face (até pouco tempo, achava-se que só nossa espécie fazia isso). Seu comportamento não se cinge à heterossexualidade, sendo comum que fêmeas pratiquem o contato gênito-genital, em que friccionam suas vulvas, e que machos façam o mesmo com seus pênis. Jovens e adultos copulam uns com os outros sem problemas, e já se comprovou que os bonobos chegam ao orgasmo tal qual os humanos, embora em menos tempo (cerca de 13 segundos). Outra semelhança conosco é que as fêmeas estão sempre sexualmente ativas, e não exclusivamente nas épocas de cio, como na maioria dos mamíferos.

Todavia, é importante ressaltar que os bonobos não ficam 24 horas por dia copulando; pelo contrário, o sexo em sua sociedade é tão casual quanto na nossa. No entanto, ele é praticado em circunstâncias inusitadas para nós. Afirma de Waal: “tudo (não só comida) que suscita interesse a mais de um bonobo resulta em contatos sexuais. Se dois bonobos se aproximam de uma caixa de papelão lançada na área em que estão, eles copularão brevemente antes de brincar com a caixa. Na maioria das outras espécies, tais situações levam a brigas. Mas os bonbos são tolerantes, talvez porque usem o sexo para desviar a atenção e dissolver a tensão”.

E isso ocorre sempre: se encontram comida, dois bonobos copulam e depois dividem amigavelmente a refeição. Se brigam, a reconciliação se dá logo em seguida, pela prática sexual. “Um macho enciumado pode afugentar outro para longe de determinada fêmea, após o que ambos se reúnem e fazem fricção escrotal. Da mesma forma, após uma fêmea golpear um jovem, a mãe deste pode revidar, ação imediatamente seguida pelo contato gênito-genital entre as duas adultas”, escreve de Waal.

Os bonobos têm uma sociedade centrada nas fêmeas. São elas quem definem quem faz parte do grupo, e geralmente os filhotes de bonobo (que são criados pelas mães até adquirem a autonomia, por volta dos 5 anos de idade) ficam ligados às mães por toda a vida. Sendo assim, têm uma existência pacífica, diferente da violência verificada em grupos de gorilas ou chimpanzés.

Os chimpanzés, por sua vez, vivem em grupos dominados por machos. Estes não dividem os alimentos com as fêmeas, que ficam apenas com os restos de suas bananas. Os chimpanzés têm uma conduta extremamente violenta, sendo comuns os desentendimentos violentos e as tentativas de se gabar perante o restante do grupo, arremessando pedras, arrancando pequenas árvores do solo e mantendo a ruidosa performance por vários minutos. E o sexo entre os chimpanzés não tem o papel crucial que desempenha na sociedade bonobo.


Que conclusão podemos tirar de nossos irmãos primatas? A meu ver, os bonobos são a demonstração de que o mote “make love, not war” dos hippies não é despido de sentido. Na sociedade humana, em virtude da nossa estrutura biológica tendente à monogamia e à formação de núcleos familiares, condutas como a promiscuidade e o adultério foram historicamente cercados de tabus e proibições. Aliás, a própria sexualidade dentro do casamento sempre foi socialmente controlada, numa regulação muitas vezes extremamente perniciosa, como salientaram, com argumentos variados, Freud, Marcuse, Reich e Foucault.

Com isso, talvez Pinker pudesse acrescentar à sua análise da violência o fato que os humanos, em vez de se renderem à lição dos bonobos, e dar vazão à sexualidade como forma de aliviar as tensões inerentes à existência, preferiram sacrificar todos os desviantes da tradicional moral sexual. As bruxas queimadas, os homossexuais perseguidos, as adúlteras apedrejadas, a excisão clitoriana e a aversão a qualquer pessoa que apresente um comportamento “desviante”, potencial ameaça aos valores dos “homens de bem”, seriam fruto, entre outras coisas, de tesão reprimido.

Deixando de lado os bonobos, gostaria ainda de citar um fato interessante, que tem sido destacado pelos antropólogos. Por que o Homo sapiens está sozinho em seu gênero taxonômico hoje? A resposta seria que, muito antes de Hitler, Stalin, Mão Tsé-Tung, Pol Pot, do genocídio dos armênios (1915-1917), ou do massacre indígena na invasão européia das Américas, os nossos ancestrais teriam se tornado exímios genocidas, eliminando, por exemplo, os grupos de homens de neandertal.

Quem sabe, se os homens das cavernas, em vez de se armarem de pedras e ossos até os dentes, tivessem simplesmente liberado seu tesão, ainda poderíamos hoje bater um papo com nossos irmãos hominídeos, tomando uma cerveja bem gelada?
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* Que se tome aqui a expressão “natureza humana” com cautela. A cultura, em muitos aspectos, é capaz de “contrariar” imperativos puramente biológicos – a camisinha é o mais evidente exemplo disso. Há que se considerar, também, que com os avanços tecnológicos – a manipulação genética, a nanotecnologia, implantação de membros ou acessórios biônicos, tudo aquilo que tem saído das páginas da ficção científica para a realidade – podem, num futuro próximo, alterar os nossos condicionantes evolutivamente forjados, ao longo de milhões de anos.

terça-feira, 17 de julho de 2007

1. Porque ainda faz sentido falar em esquerda e direita

Há algumas semanas, a revista VEJA, a quarta maior revista semanal do mundo e a inconteste líder do setor no Brasil, declarou, mais uma vez, a morte da esquerda.

A reportagem, a respeito das eleições presidenciais na França, dizia ipsis litteris que, desde a queda do muro de Berlim, a direita se tornara, indubitavelmente, o único programa político viável.

Mais adiante, um quadro esquemático mostrava como, desde a formação da Assembléia Nacional em 1789, esquerda e direita vinham gradualmente se aproximando, a ponto de se confundir.

Um argumento exaustivamente utilizado pelos grupos conservadores em todo o mundo é que, após a queda do Muro, não há que se falar mais em projetos de esquerda. O colapso do socialismo real, o descrédito da revolução sonhada pela clarividência de Marx teriam declarado o “Fim da História”.

Os grupos que ainda se intitulavam “de esquerda”, por sua vez, passaram a década de 1990 vociferando contra uma gargantua ominosa, chamada neoliberalismo, que a tudo e todos devorava impiedosamente, e prevendo, mais uma vez, uma inevitável crise no sistema, que implodiria por sua própria insustentabilidade.

E assim, ficamos numa corda bamba, em que o reducionismo ideológico ataca de ambos os lados: a direita, tomando o emblema da queda do Muro como demonstração inconteste da inviabilidade de contestação de todo o sistema capitalista global, deduziu daí que toda a esquerda estaria agindo equivocadamente, senão de má-fé; a esquerda, por sua vez, deixou de lado pretensões práticas de mudança e, por falta de algo melhor, aderiu à globalização, embora continue a formular protestos tímidos e a prever a derrocada iminente do capitalismo.

Ora, por um lado, claro está que no Ocidente o espectro político das nações continua dividido em esquerda e direita, o que põe em xeque o reducionismo ideológico da direita. Por outro lado, que o sistema econômico global apresente contradições e injustiças gritantes é evidente – mas que disso resulte que estejamos à beira de uma revolução social, ou de seu colapso final, não passa de devaneio.

Fato é que, nos últimos 20 anos, ocorreu um forte recrudescimento conservador no panorama político. O diagnóstico de uma hegemonia neoliberal não é de todo impreciso. Como a esquerda parece não ter nenhum projeto “alternativo” consistente, o poder só lhe cabe ocasionalmente, quando se compromete a aceitar premissas históricas da direita – livre-comércio, redução do Estado, desregulamentação do mercado – e a renunciar a bandeiras históricas suas – direitos trabalhistas e previdenciários, um Estado social e interventor.

Enfim, a esquerda “real”, isto é, aquela que está no páreo das disputas eleitorais nas democracias ocidentais, largou de vez a utopia de botar abaixo o “sistema” e fundar, de forma abrupta e irreversível, uma “nova ordem”, na qual a justiça e a igualdade sociais imperariam, num passe de mágica.

Mas então no que consistiriam esquerda e direita hoje, num ambiente pós-utopia?

Olhando o eleitorado da esquerda e da direita em países como EUA, Inglaterra, Alemanha, França, Brasil, México, conclui-se que, se por um lado há um amplo consenso sobre alguns valores – a democracia, os direitos fundamentais – ainda restaram diferenças nítidas entre os votantes conservadores e os progressistas.

Se você está em solo norte-americano e encontra um sujeito que vê na Guerra ao Terror uma necessidade inadiável, na National Rifle Association um bastião das liberdades públicas, na sua igreja a realização de sua vida e no Marilyn Manson a figura do anticristo, e vai dirigindo seu SUV para o trabalho, você está, com virtualmente 100% de certeza, diante de um eleitor dos republicanos. Da mesma forma, se você topa com outro indivíduo, que é forte defensor das minorias – gays, negros, latinos –, pacifista convicto, acha o criacionismo uma piada de mau gosto e vai de bicicleta para seu emprego, devido à preocupação com o Aquecimento Global, não tem como errar: ele vai votar pelos democratas nas próximas eleições.

Como não falar então em uma direita e uma esquerda nos EUA? É fato que os ideais comunistas nunca vicejaram com vigor na terrinha do Tio Sam, mas a clivagem entre progressistas e conservadores é, e sempre foi, nítida.

O mesmo ocorre na Europa (o caso do Brasil será tratado no próximo texto): há um eleitorado conservador, chegado em indicadores expressos no mais puro economês e na redução de gastos governamentais, e outro progressista, que busca com maior afinco soluções de justiça social e distribuição de renda, nacional e internacionalmente.

Se na década de 1960 a esquerda deu a “agenda” política para o mundo – com as rebeliões estudantis de contestação, a contracultura, o movimento hippie e o ambientalismo, o multiculturalismo, o feminismo, a luta pelos direitos dos negros e dos gays – hoje esse papel vem cabendo à direita, na sua condução das finanças e negócios globais. O jogo ideológico de forças mudou, mas nem por isso há consenso, nem por isso há “fim da História”, como profetizou a Revista VEJA.

Com o fim da utopia revolucionária, o que restou de divisão no espectro político do Ocidente foi então o conservadorismo, de um lado, e o progressismo, de outro. Enquanto não surgir uma proposta de fato válida para substituir o modelo sócio-econômico atual, conservadores e progressistas não terão outra saída senão aceitá-lo, e deslocar as suas discordâncias para outros campos – a política cambial e tributária, a questão ambiental, a condução das relações internacionais, a flexibilização de direitos trabalhistas, as formas de combate ao crime e outros assuntos, menos “universais”, menos “revolucionários”, mas, enfim, muito mais práticos.


sábado, 7 de julho de 2007

As formas de conhecimento e o lugar epistemológico do Direito*

Entrando numa velha e infindável discussão, proponho-me a enfrentar a tormentosa questão da diferença entre as formas do conhecimento. Arriscando uma breve definição:

1. O conhecimento religioso se baseia na revelação, ou seja, na aceitação de uma narrativa que explique uma visão de mundo. Essa narrativa, usando termos aristotélicos, não precisa ser verdadeira, mas verossímil. Sua transmissão se dá por uma tradição, envolvendo grupos de pessoas que têm na religião um laço de afinidade, e geralmente vem acompanhada de ritos, iconografia, proibições e tabus. A seria o sentimento de pertencimento a essa comunidade de crentes, somada à satisfação pessoal em possuir a resposta para os mistérios que atormentam a raça humana.


2. A filosofia, como já abordado no primeiro texto deste blog, é uma tradição de discursos que historicamente dialogam entre si, de forma argumentada. Embora seus argumentos usualmente recorram a metáforas, mitos, ironia, formas retóricas, podem ser questionados com o auxílio da lógica ou de outros argumentos, mais precisos ou mais convincentes, conforme o grau de exigência do auditório competente.




2. A ciência, por sua vez, apóia-se num amplo leque de métodos, insatisfatoriamente chamado de “método científico” (isso porque cada ciência tem o seu, completamente particular), ou seja, trabalha, grosso modo, com a confirmação ou não de hipóteses através da observação de evidências empíricas. Apóia-se, portanto, em algo convencionado como dado – seja ele organelas num microscópio, pontos de fusão de materiais ou estatísticas sobre a distância das galáxias. As teorias científicas são falsificáveis, ou seja, podem sempre ser postas à prova, por outros membros da comunidade científica, por métodos aceitos, e são continuamente substituídas por descrições melhores dos fenômenos.



4. A técnica é a aplicação prática de teorias científicas, ou, num sentido mais genérico, o modus operandi que permite a consecução de fins práticos. Apóia-se fundamentalmente nas descobertas científicas, mas pode ser melhorada pragmaticamente, à medida em que é realizada.

Considerando que toda classificação é incompleta, vamos dar exemplos práticos das formulações acima:

1. A filosofia política trabalha com especulações acerca da melhor forma de governo, os princípios e fundamentos do poder, ou como o Estado pode aproximar-se de seus fins ou degenerar na opressão. A ciência política trabalha com dados – sejam eles os votos dos partidos nas deliberações do Congresso, ou a taxa de comparecimento às urnas, o índice de aprovação de um governo – para chegar a suas conclusões.


2. A engenharia é uma técnica, pois se vale de conhecimentos da física, da matemática, da química, etc, para erguer uma construção sólida, que se mantenha firme por anos a fio; mas ela mesma, enquanto técnica, pode desenvolver formas mais eficazes de construir ou de lidar com os materiais.


3. O evolucionismo darwiniano é uma teoria científica, pois a qualquer momento, se surgirem evidências incompatíveis com sua formulação, ele cairá por terra e será substituído por outra teoria. O criacionismo é discurso religioso porque inadmite falsificação, uma vez que está narrado, ipsis litteris, na Bíblia.


4. A economia é uma ciência, embora as ciências humanas tenham uma metodologia distinta das naturais, pois trabalha com dados – produto interno bruto, fluxo de capitais, índice de desenvolvimento humano, lucros, decréscimo das exportações, etc.

E o Direito, como ficaria em nossa definição? O problema aqui é maior, porque por muito tempo os juristas insistiram em ver chifre em cabeça de cavalo – em outras palavras, ciência do Direito onde não havia nada parecido com uma ciência. Onde já se viu: chamar a memorização de dispositivos legais de ciência? Proponho, então, um novo enquadramento para os conhecimentos jurídicos:

1. A Filosofia do Direito é a forma discursiva argumentada de discussão de temas jurídicos. Ela engloba, então, aquilo a que costumeiramente, e equivocadamente, a meu ver, se chama de ciência do Direito: a discussão sobre a constitucionalidade ou a validade de uma norma, as definições e as classificações dos institutos jurídicos, a sua posição no ordenamento. Envolve ainda aquilo que tradicionalmente se chama de filosofia do Direito: os fundamentos do Direito, da Justiça e dos direitos subjetivos, a hermenêutica de textos jurídicos, a questão das antinomias, a distinção entre regras e princípios.


2. A Ciência do Direito é um estudo da eficácia. Os seus dados são aqueles referentes ao funcionamento, à aceitação e à eficácia dos institutos jurídicos: se o endurecimento das leis penais diminui o crime, se uma nova lei do divórcio reduz as separações litigiosas, se a evolução da jurisprudência tem alavancado ou entravado o crescimento econômico. Nas Faculdades de Direito, esta dimensão, na minha opinião, a mais relevante, foi relegada a uma pouco valorizada Sociologia Jurídica.


3. A técnica jurídica é aquilo que fazemos a maior parte do tempo na Faculdade de Direito: decorar textos legais, pesquisar as decisões mais recentes do STF e do STJ, aprender qual é o procedimento civil, administrativo ou penal para formular uma acusação ou defesa, quais os instrumentos processuais para invalidar certa decisão judicial. É como um joguinho de xadrez. Ainda assim, muitos teimam em chamar também isso de ciência.

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* Esta formulação teria sido impossível sem os debates com Mateus e Jéferson, aos quais agradeço por possibilitarem os argumentos aqui trazidos.