terça-feira, 9 de outubro de 2007

Liberdade e causalidade

Seguindo a iniciativa do Ricardo, a minha peque na contribuição, ou o oposto disso, para o debate acerca da liberdade humana:


Causalidade, cérebro e controle do comportamento:

O modo pelo qual as forças interagem no espaço-tempo se da entre corpos, e não dentro de um corpo. Em outras palavras, isso significa dizer que um corpo não pode se mover a não ser que alguma energia seja fornecida a ele por outro corpo. Exemplificando, uma pedra não pode se mover. Apenas ser movida, seja por outra pedra atirada nela, pelo vento, ou pela força da corrente de água de um rio, etc.

Essa regra aparentemente não é respeitada pelos organismos. Mas essa confusão ocorre apenas por que temos o hábito de chamar o conjunto de corpos que compõe um organismo de corpo, o que não seria coerente com a definição de corpo que demos acima.

Isso foi dito para que fique clara a impossibilidade de um corpo causar algo em si mesmo. Vamos somar esse argumento ao argumento de que uma substância não material não poderia causar em uma substância material, e vice-versa.

Mas antes disso, vamos nos deter mais atenciosamente sobre os mecanismos de causalidade da física. Até a idade moderna, os físicos acreditavam em uma relação de causalidade que se dava de forma linear, segundo a lógica da causa/efeito. Essa mesma lógica foi utilizada por Pavlov e Watson em suas tentativas de explicar o comportamento dos organismos.

No entanto, quando Pavlov e Watson realizaram suas pesquisas, essa lógica de causalidade já estava superada pela lógica das múltiplas relações de causalidade.

Essa inovação na física teórica foi originalmente sustentada por Ernst Mach, físico e filósofo austríaco e teve grande influência nos trabalhos posteriores, como a Teoria da Relatividade de Albert Einstein, por exemplo.

Segundo a lógica das múltiplas relações, um determinado fenômeno não está isolado do mundo com sua causa. Na verdade, um fenômeno não possui uma única causa. Um fenômeno acontece segundo uma equação de causalidade em que é variável dependente de inúmeras variáveis independentes (em relação à equação desse fenômeno) dependendo da complexidade do fenômeno.

Essa idéia das múltiplas relações está de acordo com o princípio da não-causação espontânea, que é uma impossibilidade física. Uma vez que um corpo não pode causar nada em si mesmo, temos como conseqüência óbvia, que um cérebro não pode causar modificações em si mesmo de forma espontânea. Digo isso, para defender a tese de que as reações cerebrais são inúteis para os resultados do comportamento. Pelo menos na maioria das vezes não temos condição de modificar o comportamento através de modificações no cérebro, ainda que lobotomias e drogas sejam atitudes possíveis, elas me parecem condenáveis.




Seleção comportamental: genética, operante e cultural:



Uma vez exposta a teoria das múltiplas relações e sua relação basilar com o comportamento orgânico, passamos a investigar o mecanismo pelo qual os comportamentos são selecionados, o que se dá em três níveis. No primeiro dos níveis, as características de um indivíduo orgânico são selecionadas geneticamente, não vou me deter demais nesse tema, pois ele é muito bem trabalhado pelos geneticistas.

Mas cabe ressaltar que são selecionados dessa forma dois tipos de componentes comportamentais importantes. São selecionadas assim as condições de possibilidade dos comportamentos. Um exemplo simples, é a capacidade dos seres humanos de falar. Essa capacidade só pode ser adquirida geneticamente, ainda que a forma como essa fala irá se dar seja selecionada de outra forma. Assim sendo, presentes determinados estímulos, um homem irá desenvolver uma linguagem verbal, o mesmo não ocorreria com amebas, ou cães, por exemplo, por mais que os mesmos estímulos que geram comportamentos verbais possam ser apresentados a essas espécies de organismos, eles não irão desenvolver uma linguagem verbal semelhante a humana. O segundo tipo de componente comportamental selecionado dessa forma é o chamado comportamento reflexo. Os comportamentos reflexos são aqueles comportamentos que, já previamente selecionados pela genética, independem de suas conseqüências para que sejam realizados pelos organismos. A sensação de dor quando sofremos um ferimento, ou a salivação quando sentimos o cheiro de um alimento apetitoso são exemplos de comportamentos reflexos.

O segundo nível de seleção de comportamentos é o nível mais bem estudado pelos psicólogos behavioristas. Essa seleção, denominada seleção operante, ocorre pelas conseqüências que o comportamento provoca no ambiente. Seguindo uma classe de respostas, um organismo irá se comportar de forma semelhante no futuro se essa resposta for reforçada, irá abandonar essa forma de comportamento se não for reforçado e irá se comportar de forma diversa se for punido.

Cabe ressaltar que reforço, extinção e punição não são termos pré-definidos, ou definidos segundo uma ordem valorativa. Para um behaviorista, uma conseqüência será reforçadora sempre que aumentar a probabilidade de que determinado comportamento ocorra, será uma punição quando aumentar a probabilidade de que outro comportamento ocorra e será uma extinção toda vez que, na ausência da conseqüência reforçadora a probabilidade do comportamento semelhante diminuir.

É dessa forma que são selecionados os comportamentos que um indivíduo orgânico realiza em sua vida. No entanto, determinadas práticas comportamentais são comuns a determinados grupos de organismos e possuem seus próprios mecanismos de seleção. A essa forma de seleção damos o nome de cultura. Os comportamentos culturais são selecionados de forma análoga aos comportamentos operantes, mas de forma independente das vontades e dos mecanism

os que selecionam os comportamentos individuais.

Assim, embora determinadas práticas sejam coincidentes em grande parte dos indivíduos de uma cultura, isso não significa que essa seja uma prática cultural, pois esse comportamento pode ser reforçado de forma operante, mas punido ou não conseqüenciado culturalmente. Podemos citar como exemplo clássico de comportamento que é operantemente reforçado e culturalmente punido o crime de roubo na sociedade belorizontina. De forma operante, uma pessoa que rouba adquire dinheiro, por exemplo, e adquirir dinheiro é uma forma bastante comum de reforço positivo. Por outro lado, na sociedade belorizontina o roubo é um crime, ou seja, é uma prática que foi selecionada como indesejável e é geralmente conseqüenciado com uma pena de prisão ou tão frequentemente quanto, com o linchamento.




A questão da liberdade no paradigma behaviorista, ou o mito da liberdade:



Duas práticas opostas mais igualmente condenáveis, se é que não são mesmo inevitáveis, são muito comuns na filosofia. A primeira dessas práticas é o hábito de se redefinir termos já i

dentificados com um determinado conceito por outro conceito completamente oposto, para adequá-lo à correspondência com a verdade. Sabemos que essa é uma prática ruim por que provoca tanto confusão conceitual quanto faz com que sejamos forçados a utilizar uma palavra com a qual estamos plenamente habituados em um contexto que não estamos habituados. A segunda prática é o hábito de dizer que determinado termo não existe, ou que a coisa à qual determinado termo se relaciona não existe. Essa prática é igualmente condenável por que pretende que paremos de usar uma palavra com a qual estamos plenamente habituados substituindo-a por outra. O que geralmente resulta não n

a troca de conceito, mas na troca tão somente do nome do conceito, além é claro de criar a mesma situação constrangedora de termos que usar uma palavra com a qual não estamos acostumados.

É a partir desse ponto de vista, que pretendo investigar a liberdade segundo um ponto de vista behaviorista. Sabemos de antemão que um conceito de liberdade segundo o qual é livre quem age da forma como deseja, ou é livre aquele que age conforme a própria vontade, não pode ser entendido como independente de controle, pois sabemos que também as vontades são selecionadas de forma controlada.

No entanto, a definição de liberdade como ação voluntária é completamente adequada ao behaviorismo, embora perca função e importância. Na verdade, a melhor forma de se definir liberdade segundo um ponto de vista behaviorista é defini-la como uma sensação, e não como uma relação entre organismo e ambiente.

Dessa forma, embora os organismos não sejam de fato livres (se entendermos liberdade como independência) eles se sentem livres em determindas ocasiões e o mais relevante, eles gostam disso. Isso faz com que seja relevante responder a seguinte pergunta: qu

ais são as ocasiões em que um organismo se sente livre?

A identificação da liberdade é um bom indício de qual caminho devemos seguir. Sabemos que um processo de reforçamento modifica tanto o comportamento de um organismo (ação), quanto sua vontade de realizar tal comportamento (pensamento), enquanto uma punição tende a modificar o comportamento (ação), mas não modificar a vontade (pensamento). A partir disso, podemos em um primeiro momento, identificar a liberdade com as formas de comportamento que são selecionadas por reforçamento e extinção, enquanto as formas de comportamento controladas por punições seriam coagidas, não livres.

Temos de trazer a baila, porém, o fenômeno do escândalo que é provocado por uma pessoa quando se vê controlada em sua vontade. A literatura da liberdade deu a essa prática, entre outros, o nome de lavagem cerebral. E embora o controle externo da vontade seja inevitável, uma vez que isso seria independência comportamental, algo que sabemos ser fisicamente impossível, o controle de uma vontade por outra vontade é algo considerado pelas pessoas como inaceitável.

Evitando fazer um questionamento valorativo mais alongado sobre o tema, diríamos que a forma de definir a liberdade mais adequada a forma como as pessoas se se

ntem livres, seria dizer que uma pessoa age livremente quando age de acordo com sua vontade e quando essa vontade é controlada de forma estritamente casual, não planejada por outro indivíduo.

Ou em outras palavras, o comportamento livre é aquele comportamento selecionado por reforço positivo ou extinção e que não seja previamente planejado, mas selecionado apenas pela natureza ou pela cultura de forma abstrata. Ainda assim, essa é uma definição confusa e um tanto quanto inútil, uma vez que dada a interdependência entre os comportamentos orgânicos, não temos

motivo alguma para acreditar que um comportamento selecionado de forma planejada seja melhor do que um comportamento selecionado de forma “natural”,

caótica. Mesmo porque a preferência cultural das pessoas por essa definição de liberdade também foi selecionada em algum momento da história.

Um comentário:

Ricardo Horta disse...

Seu texto ficou claro, e acrescentou à discussão. Você deveria escrever mais. Seguem meus comentários:

1. A lógica de múltiplas relações de causalidade me parece acertada. Porém, acho que a sua explicação dos organismos carece de um elemento mais sofisticado do que simplesmente dizer que eles não podem ser alterados por si próprios. Trata-se de um erro grave, na minha opinião. Recomendo que você procure o trabaho de Maturana e Varela sobre a autopoiese. É uma tese interessante e altamente defensável para estudar organismos.

2. "Pelo menos na maioria das vezes não temos condição de modificar o comportamento através de modificações no cérebro, ainda que lobotomias e drogas sejam atitudes possíveis, elas me parecem condenáveis." O fato de serem condenáveis absolutamente não significa que elas não existam, ou que não alterem o comportamento. Uma lesão cerebral pode determinar virtualmente 100% de alguma característica comportamental, dependendo de como for. Você não pode simplesmente ignorar isso.

3. Da mesma forma, acho que a insistência do Skinner em deixar a fisiologia de lado também empobrece a sua explicação. Ora, os comportamentos reflexos podem ser explicados em termos encefálicos (ex: a atuação do bulbo, do cerebelo, do sistema simpático e parassimpático, etc). Isso tornaria a explicação mais completa.

4.Ainda nesse sentido: por que desconsiderar os mecanismos biológicos que são condições de possibilidade da existência da seleção operante? Pense bem: e se alguma lesão cerebral influir na seleção operante? Ela não importa mesmo assim?

5. Estou de acordo com sua distinção entre prática individual e cultural.

6. Também concordo inteiramente com sua asserção de que a liberdade é uma "sensação". Cientificamente, se buscamos compreender a origem de um fenòmeno,e prever a sua ocorrência, então não é possível que haja um ser livre. A ação dele é condicionada de múltiplas formas (eu diria biologicamente, socialmente, culturalmente, etc). Não obstante, como afirma o Dennett, temos uma "consciência" de sermos livres, e é isso que nos importa.

7. Também concordo que as pessoas não se sentem livres quando sentem que é uma vontade alheia que o coage a se comportar de determinada forma. Mas o problema é que, ao dizer "não temos motivo alguma para acreditar que um comportamento selecionado de forma planejada seja melhor do que um comportamento selecionado de forma “natural”, caótica", você está aderindo à veia nazista do Skinner, a qual eu já indiquei para você: "PLANEJAR A CULTURA", Mateus, é dar a um indivíduo as rédeas da vida dos demais. Isso tem nome, totalitarismo, e não coaduna de forma alguma com a sociedade democrática que tanto prezamos...